Júri

Júri por morte de policiais em Dourados pode ocorrer em Presidente Prudente

Assassinato de dois policiais civis ocorrido há 12 anos não será julgado em Dourados porque Justiça Federal considera douradense preconceituoso com índios

Julgamento que seria em Dourados pode ocorrer na capital de São Paulo ou em Presidente Prudente (Foto: André Bento) Julgamento que seria em Dourados pode ocorrer na capital de São Paulo ou em Presidente Prudente (Foto: André Bento)

O julgamento dos acusados pelo assassinato dos policiais civis Rodrigo Pereira Lorenzatto e Ronilson Bartie, mortos brutalmente na zona rural de Dourados na tarde de 1º de abril de 2006, ainda não tem local definido para ocorrer. 12 anos após o crime, a Justiça Federal ainda discute se levará os réus para júri popular na capital de São Paulo ou no interior daquele estado, em Presidente Prudente, após considerar que os douradenses “adquiriram, ao longo dos anos, um preconceito social grave contra os índios que entre eles ou perto deles vivem”, motivo pelo qual não podem julgá-los.

Em trâmite no TRF 3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), o processo teve sua mais recente movimentação no dia 15 passado, quando o desembargador federal Nino Toldo pediu vistas – mais tempo para analisar a ação. Isso aconteceu depois que o relator do caso na Corte, José Lunardelli, votou por considerar a 1ª Vara Federal de São Paulo competente para o julgamento.

NOVE RÉUS

Como ainda aguardam para votar os desembargadores federais Fausto De Sanctis, Paulo Fontes, Maurício Kato e André Nekatschalow, não há previsão de prazo para definição sobre o local do júri popular  dos acusados de assassinarem dois policiais civis e deixar outro gravemente ferido - a capital paulista ou a interiorana Presidente Prudente, vizinha de Mato Grosso do Sul distante 434 quilômetros de Dourados.

Neste processo, constam como réus Carlito de Oliveira, Ezequiel Valensuela, Jair Aquino Fernandes, Lindomar Brites de Oliveira, Paulino Lopes, Herminio Romero, Jair Aquino Fernandes, Marcio da Silva Lins, Sandra Arevalo Savala e Valmir Junior Savala. Esses três últimos foram incluídos no grupo de acusados no início deste mês, já que recorriam da determinação expedida pela 1ª Vara Federal de Dourados para que sejam julgados pelo Tribunal do Júri.

RECURSO

“Os réus recorreram da decisão ao TRF3, alegando, entre outras questões, legítima defesa do território, que o interrogatório policial se deu sem a presença de um intérprete e que os réus são relativamente incapazes de entender o caráter ilícito da conduta. Contudo, o desembargador federal Fausto De Sanctis, relator do recurso no TRF3, manteve a sentença de pronúncia. Segundo ele, há nos autos indícios mínimos a apontar a ocorrência dos eventos criminosos mediante o incentivo e a colaboração dos acusados, presos em flagrante, corroborada pelo interrogatório policial dos acusados, depoimento da vítima e de testemunhas”, informou a Corte no dia 16 passado.

O desembargador discordou que a conduta dos acusados teria ocorrido na legítima defesa do território indígena. “Em que pese eventual direito de posse, isso não retira dos brasileiros o dever de respeito à lei, inclusive por comunidades indígenas parcialmente ou integralmente adaptadas (como se revelou neste caso), num contexto já extremamente tenso e delicado”.

VIDA HUMANA

Sobre a ausência de intérprete no momento do depoimento dos acusados, De Sanctis “observou que o interrogatório não desrespeitou a diversidade linguística, pois os mesmos descreveram os fatos de forma detalhada, o que demonstra a compreensão que detinham, com ratificação na presença de procurador da Funai”. E também “discordou do laudo antropológico que afirma que os réus eram, ao tempo da ação, relativamente incapazes de entender o caráter ilícito das condutas”, já que segundo ele, “os exames de sanidade mental revelam que os réus se comunicam bem em português, mostram-se conhecedores das normas e regras sociais e eram capazes de compreender o caráter ilícito dos fatos e de determinarem-se de acordo com esse entendimento”.

“A despeito de sua cultura própria, para os indígenas ora acusados, a vida humana possui relevante valor moral e ético. Tinham o dever de preservá-la. Portanto, se faz presente a potencial consciência da ilicitude, na medida em que os acusados possuiriam conhecimento da imoralidade, antissocialidade e lesividade de sua conduta”, ponderou o desembargador federal.

DOURADENSE PRECONCEITUOSO

Mas no dia 1º de setembro de 2016 a 11ª Turma do TRF 3 decidiu, por unanimidade, desaforar o julgamento do município onde ocorreu o crime.  Os desembargadores acolheram a argumentação dos procuradores da República de que "os integrantes da sociedade de Dourados/MS adquiriram, ao longo dos anos, um preconceito social grave contra os índios que entre eles ou perto deles vivem", acrescentando que "tal fato decorre desde o estranhamento puramente cultural até a luta e os graves conflitos fundiários que se estabeleceram em todo o Estado do Mato Grosso do Sul".

A decisão inclui o parecer da relatora do recurso, desembargadora federal Cecilia Mello, para quem é “fato notório que o conflito indígena da região do Estado do Mato Grosso do Sul, que já resultou em inúmeras vítimas, evidencia uma situação de clara anormalidade, muito bem capaz de comprometer o interesse da ordem pública ou de afetar a imparcialidade do conselho de sentença, a justificar a adoção dessa providência extraordinária”.

Para o TRF, “o conflito pulsante entre índios e não índios no Estado do Mato Grosso do Sul, acirrado pelos fundamentos étnicos, históricos, culturais, econômicos e etc. de ambos os lados, somado à sua repercussão regional, nacional e internacional, permitem e muito bem justificam que o julgamento seja desaforado para Foro não contíguo, onde poderão ser asseguradas todas as garantias necessárias para desejada intangilibilidade do julgamento”.

O CRIME

Os réus são acusados do crime ocorrido por volta das 16h30 do dia 1º de abril de 2006, na rodovia MS-156, entre a cidade de Dourados e distrito de Porto Cambira, em frente ao acampamento indígena "Passo Piraju".

Conforme a denúncia oferecida pelo MPF (Ministério Público Federal), os investigadores do 1º DP (Distrito Policial) de Dourados Rodrigo Pereira Lorenzatto, então com 36 anos, Ronilson Bartie, com 26 anos, e Emerson Gadani, à época com 33 anos, estavam num veículo descaracterizado da polícia e foram abordados numa emboscada pelos índios, que tomaram as armas dos policiais e executaram, com tiros e golpes de faca, Rodrigo e Ronilson. Ferido, Emerson Gadani fingiu-se de morto e conseguiu ser socorrido; ele deixou a ativa após o trauma.

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