Artigos

Coronavírus, isolamento social e a sobrecarga de mulheres mães

Elas têm encarado a desafiadora jornada de equilibrar home office (as que têm esse privilégio) e o cuidado integral dos filhos, que estão sem aulas.

Metade dos alunos do mundo está sem aulas por conta do coronavírus, segundo dados da Unesco. No Brasil, em São Paulo, desde a última segunda-feira (16), escolas públicas e particulares começaram a suspender gradualmente as aulas — que devem ser totalmente suspensas a partir do dia 23 de março, próxima segunda-feira. O objetivo do calendário gradual é dar tempo aos pais para que se programem com a nova agenda ociosa dos filhos e para que se organizem a fim de evitar deixá-los com os avós — grupos de risco da doença.

Em uma sociedade que responsabiliza com maior pesagem o papel da mulher na criação dos filhos, equilibrar home office (para aquelas que têm esse privilégio) e cuidado integral com crianças tem sido uma jornada desafiadora —  e muitas vezes solitária.

“A carga mental é enorme. Consome uma energia surreal. E não faço tudo porque sou forte, mas porque não tenho com quem dividir, além da minha mãe. Temos de arranjar um jeito de limpar e arrumar tudo que entra na casa, lidar com TPM, conseguir guardar algum dinheiro, manter práticas saudáveis. Além de tudo que precisamos administrar, ainda temos de entreter a cria, entender como comunicar o que está acontecendo para os pequenos, que ainda não têm ferramenta para lidar com determinadas informações. Não tinha listado ainda e agora vejo o quanto de coisas temos para dar conta”, desabafa Carla Ximenes, mãe do Ravi, de dois anos, e professora de yoga que encontrou nas aulas online a possibilidade de continuar trabalhando durante o isolamento social.

Para Giovanna Nader, consultora de sustentabilidade e apresentadora do GNT, o momento, para mães, é não só, muitas vezes, de solidão, mas também de exaustão. “Por sorte e privilégio, tenho uma boa rede de apoio, mas sei que essa não é a realidade de muitas mulheres”, diz. 

A empresária Flávia Henriques também levanta a questão fundamental da consciência de classe e de privilégios em tempos de pandemia e da fragilidade de grupos vulneráveis.

"Eu e meu marido dividimos as tarefas do lar igualmente e também os cuidados com as crias. Mas sei que na casa das minhas funcionárias não é assim — 90% delas têm filhos e os maridos não fazem sua parte. A partir da semana que vem, em São Paulo, as escolas estarão totalmente fechadas e estou tentando ao máximo encontrar uma solução para que elas não sejam prejudicadas. Como não podemos fechar a empresa, por ora, tento encontrar um caminho que não as abandone nem as deixe sobrecarregadas". 

No caso de Isabela Vieira, diarista que trabalha há 11 anos em casa de família, o jeito foi matricular o filho de seis anos em uma escola particular. Com o fechamento da escola pública em que estudava, o patrão não a liberou para ficar em casa e ela precisou optar, às pressas, por mais esse gasto para poder continuar trabalhando — e não deixar de receber. Isabela não está sozinha: mulheres de baixa renda enfrentam em todo o País o desafio de não ter com quem deixar suas crianças sem abrir mão da remuneração que as sustenta. 

Publicidade

Fechar anúncio

Sororidade

O termo ganhou contornos reais durante a pandemia. Redes de acolhimento (formada em sua maioria por mulheres) estão surgindo pelo Brasil para prestar auxílio a mães que tiveram seu dia a dia fortemente impactado. Marília Mäder é um exemplo: por meio de um post na internet, abriu sua casa para receber até quatro crianças maiores de cinco anos por período integral, com almoço e lanche. “Não tenho condições de grandes atividades pedagógicas, mas ofereço cuidado, uma pequena área verde e higiene”, dizia o anúncio publicado em uma rede social.

Manuela Colombo, coordenadora de políticas públicas do Sebrae, em SP, conseguiu organizar toda a sua equipe para, a partir da semana que vem, trabalharem remotamente. Os grupos de risco foram liberados já na semana passada. Mãe da Martina, de quatro anos, Colombo conta que o isolamento está sendo mais fácil graças ao grupo de mães e amigas que criou desde a gestação e que trocam, constantemente, informações e apoio. 

Iniciativas

Contrariando o cenário de escassez que se desenha, profissionais que lidam com crianças têm colocado seus serviços a favor do todo. De ‘repórter por um dia‘ a acampamento na sala, a psicóloga Andrezza Marques disponibilizou nas redes uma série de sugestões de brincadeiras para o período de reclusão. Já o @fafaconta e o @maequele, ambos perfis no Instagram, estão fazendo contação de histórias online em horários variados. 

Além das pequenas iniciativas, grandes corporações também estão oferecendo opções gratuitas para que mães entretenham os pequenos.

Apesar do isolamento, Carla Xavier tenta extrair pequenas lições positivas da experiência. “Hoje eu, minha mãe e meu filho fizemos yoga juntos. Acho que foi a segunda vez na vida que minha mãe topou uma microaula! No fim das contas, estamos mais próximos, aprendendo a ouvir o que há dentro, entendendo mais sobre a pausa, a calma, o cuidado. E assim seguimos”. 

Comentários