Introdução. Na Câmara dos Deputados está em pauta o tema do assédio moral no trabalho. Trata-se de assunto da maior relevância para o trabalhador, para as empresas, para o empreendedorismo assim como para o crescimento econômico do País.
Conceito. Ocorre assédio moral no trabalho quando, dentro de uma relação empregatícia pública ou privada, alguém degrada e desarmoniza o ambiente de trabalho com gravíssimos prejuízos para o Estado ou para a empresa assim como para o desenvolvimento econômico do país, humilhando, constrangendo, desprezando, subestimando, subjugando ou desrespeitando o servidor público ou o empregado, de forma reiterada, atingindo-lhe intencionalmente a imagem, a autoestima ou a dignidade psíquico-emocional (comprovável por especialistas, objetivamente).
Suas características comuns. As principais características do assédio moral no trabalho são: (i) comportamento abusivo e ofensivo; (ii) ofensa à dignidade psíquica-emocional da vítima; (iii) conduta praticada de forma reiterada; (iv) finalidade de macular a imagem, a autoestima ou a dignidade psíquica-emocional.
Graves prejuízos para todos. A falta de uma disciplina jurídica segura sobre o assédio moral no trabalho é fator inibidor e gravemente danoso para o trabalhador, para a empresa, para o empreendedorismo e para o crescimento econômico no nosso país. A ausência de uma legislação clara, definidora de responsabilidades, seguramente faz parte do chamado “custo Brasil”.
Duas medidas urgentes. Além da legislação já existente nos campos trabalhista e civil, que cuida da questão das indenizações civis, precisamos, prontamente, de duas medidas imediatas:
(i) em virtude do relevante teor ofensivo e dos valores envolvidos no assédio moral, justifica-se inseri-lo na lei penal (tipificação), tal como foi feito com o assédio sexual e
(ii) cabe enfatizar que essa responsabilidade penal é individual e intransferível, ou seja, só responde pelo crime quem o praticou pessoalmente e/ou quem o incentivou. Frente ao assédio sexual, no assédio moral há uma tutela penal insuficiente, enquanto perdurar a omissão legislativa. Fazendo um paralelo, é o que o STF está reconhecendo na discriminação homofóbida ou transfóbida frente às discriminações raciais.
A responsabilidade penal é individual. Se o empreendedor ou empresário ou empregador não praticou ou estimulou dolosa e diretamente o assédio moral dentro das suas relações empregatícias, a responsabilidade penal é exclusivamente de quem praticou a ação ilícita. Só com uma lei isso pode ficar muito claro, porque não é infrequente pretender responsabilizá-los por crimes de terceiros, com violação ao princípio da responsabilidade individual.
Responsabilidade trabalhista e civil. Nas Justiças do trabalho e civil o assédio moral aparece com frequência, em razão dos graves prejuízos e responsabilizações civis e trabalhistas que ele gera (tanto para os empregadores como para os autores diretos das ofensas humilhantes no ambiente de trabalho).
Responsabilidade objetiva proibida. O assédio moral gera muitos dissabores e danos para os empreendedores e empregadores, mas essas responsabilidades civis e trabalhistas não se confundem com a penal. Não existe responsabilidade objetiva no campo penal (nisso ele se distingue do campo civil ou administrativo).
Edição de uma lei penal. Com toda urgência, temos que editar uma lei penal para criminalizar o assédio moral no trabalho, suprindo a deficiência de tutela que é patente no tema.
Quer saber mais?
Assunto muito grave e muito sério. Sônia A. C. Mascaro Nascimento, em artigo publicado na rede web (“O assédio moral no ambiente de trabalho”) trouxe os seguintes dados:
“Estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que as perspectivas para os próximos vinte anos são muito pessimistas no que tange ao impacto psicológico nos trabalhadores das novas políticas de gestão na organização do trabalho vinculadas às políticas neoliberais. Segundo tal pesquisa, predominará nas relações de trabalho as depressões, o stress, angústias, desajustes familiares e outros danos psíquicos, denotando o dano ao meio ambiente laboral.
A OIT ainda detectou a grave situação em que se encontram os milhares de trabalhadores que sofrem esse ataque perverso do assédio moral. Estudos realizados na União Europeia explicitam que 8% (oito por cento) dos trabalhadores, o que corresponde a 12 milhões de pessoas, convivem com o tratamento tirânico de seus chefes.
Este foi o mesmo percentual encontrado por um estudo patrocinado pela União Europeia em 1996, baseado em 15.800 entrevistas realizadas nos 15 Estados-Membros, revelando que:
Estima-se que entre 10% (dez por cento) e 15% (quinze por cento) dos suicídios na Suécia sejam decorrentes desse comportamento abusivo.
Conforme relatado em matéria jornalística, no Brasil o tema é ainda pouco discutido, mas os números também assustam. Estudo feito com 97 empresas de São Paulo (setores químico, plástico e cosmético) mostra que, dos 2.072 entrevistados, 870 deles (42%) apresentam histórias de humilhação no trabalho.
Segundo o estudo realizado pela médica Margarida Barreto, pesquisadora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), as mulheres são as maiores vítimas – 65% das entrevistadas têm histórias de humilhação, contra 29% dos homens.
Outro relatório da OIT apresentado em novembro/2000 na Conferência Internacional de Traumas no Trabalho, sediada em Joanesburgo, 53% dos empregados na Grã-Bretanha disseram já ter sofrido ataques oriundos de um tal comportamento no local de trabalho, enquanto que 78% declararam que já tinham sido testemunhas dessa situação.
Conforme relata Schmidt, A Linha de Atendimento Nacional britânica às denúncias de assédio moral registrou 4.000 casos de assédio, dentre os 5.000 que pesquisou nos últimos 5 anos. Mais de dois terços provieram do setor público. Na França, 30% dos empregados declararam estar sofrendo assédio moral no trabalho e 37% disseram ter sido testemunhas desse fenômeno.
O assédio moral abrange tanto homens (31%), quanto mulheres (29%) e tanto gerentes (35%), quanto operários (32%). Está presente do mesmo modo nas empresas privadas (30%) e nas públicas (29%).
Por fim, em pesquisa realizada no Brasil com um universo de 4.718 profissionais ouvidos em todo o território, 68% deles afirmaram sofrer algum tipo de humilhação várias vezes por semana, sendo que a maioria dos entrevistados (66%) disseram ter sido intimidados por seus respectivos superiores”.
Risco de patogenia crônica. De acordo com Susana Falchi, CEO da HSD (em artigo publicado na rede web), “a insatisfação profissional, o medo do desemprego, preocupações com a renda e o assédio moral” são os maiores fatores de patogenia dentro das empresas. Em relação às consequências do fenômeno,
“a vítima de assédio moral pode enfrentar episódios depressivos, transtorno de estresse pós-traumático, neurastenia, neurose profissional, síndrome de esgotamento profissional, entre outros. Há ainda a chamada Síndrome de Bournot. Causado pelo estresse profissional, o mal acomete muito os chamados “workaholics”. Porém, suas causas estão intimamente ligadas a uma percepção de desvalorização profissional, característica marcante da exposição ao assédio moral”;
Executivos que atuam com desvios não podem ser tolerados dentro das empresas. “A omissão nesses casos – diz Susana Falchi – é um erro grave, mesmo se analisada apenas do ponto de vista financeiro. Além de potenciais perdas por conta de ações trabalhistas, essas práticas acabam por comprometer a parte operacional do negócio. Isso ocorre por conta do clima instalado entre os funcionários. Faltas, turnover elevado, problemas disciplinares, queda de performance, tensões e conflitos no ambiente de trabalho tornam-se parte do cotidiano da empresa. As consequências econômicas são óbvias, mas há ainda prejuízos à imagem institucional da organização. Há casos de organizações que, mesmo com uma política salarial atraente, acabam por ter dificuldades em atrair bons profissionais, por conta da fama que têm no mercado.”
Mais evidências sobre as consequências do assédio moral no trabalho. Marco Antônio César Villatore, em trabalho publicado na rede web (“O assédio moral no direito comparado”), faz referência à tabela da Pesquisa da Dra. Margarida Barreto, indicando as reações ao assédio moral:
Sintomas
Modalidades de assédio. Nas relações empregatícias, pública ou privada, o assédio moral no trabalho tanto é possível no sentido vertical (de baixo para cima) (isso se chama bossing), quanto no descendente (mobbing) e no horizontal (ataques entre pessoas com o mesmo status ou equivalente). Também é possível a forma mista ou combinada, tudo dependendo do caso concreto.
Propostas legislativas em andamento. Há várias propostas legislativas em curso na Câmara dos Deputados. Dentre todos, talvez o melhor ponto de partida seja o apresentado pelo deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG). Com algumas pequenas mudanças o projeto citado ficaria assim:
Introduz art. 146-A no Código Penal Brasileiro – Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, dispondo sobre o crime de assédio moral no trabalho.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1.º Esta Lei acrescenta o art. 146-A ao Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal, tipificando o crime de assédio moral.
Art. 2.º O Decreto-Lei n.º 2.848, 7 de dezembro de 1940, Código Penal, passa a vigorar acrescido de um artigo 146-A, com a seguinte redação:
“Art. 146-A. Humilhar, coagir, constranger, desprezar, preterir, subestimar, isolar ou incentivar o isolamento, desrespeitar, subjugar, menosprezar ou ofender a personalidade de servidor público ou empregado, reiteradamente , no exercício da função ou em razão dela, independentemente de posição hierárquica ou funcional, seja ela superior, equivalente ou inferior, atingindo-lhe intencionalmente a imagem ou a dignidade psíquico-emocional (a redação dessa linha final é nossa).
Pena: detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa, (sem prejuízo das penas correspondentes à violência ou grave ameaça.)
(§ 1.º) Nas mesmas penas incorre quem, reiteradamente (de forma reiterada):
I – fomentar, divulgar, propalar, difundir boatos ou rumores ou tecer comentários maliciosos, irônicos, jocosos ou depreciativos; ou
II – desrespeitar limitação individual, decorrente de doença física ou psíquica, atribuindo-lhe atividade incompatível com suas necessidades especiais.” (NR).
§ 2.º A pena é aumentada em até um terço (1/3) se a vítima é menor de 18 anos.
Art. 3.º Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação.
*Luiz Flávio Gomes, professor, jurista e deputado federal
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