O Brasil enfrenta uma epidemia de violência doméstica e a superlotação do sistema carcerário, aponta a ONG Human Rights Watch. Nesta quinta-feira (17), a ONG divulgou os resultados de um relatório anual sobre problemas no respeito aos direitos humanos em 90 países.
O estudo destaca o problema da violência generalizada contra as mulheres no Brasil. Ele indica que a polícia não investiga devidamente milhares de casos de agressões, de maneira que muitos dos responsáveis não são processados. No fim de 2017, mais de 1,2 milhão de casos estavam pendentes nos tribunais.
O diretor para a divisão das Américas da Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, denunciou ao Bom Dia Brasil uma “epidemia de violência contra a mulher”. Segundo ele, a Lei Maria da Penha, de 2006, é uma das melhores do mundo para combater esse tipo de violência, mas a estrutura precária não consegue fazer com que ela seja aplicada como deveria.
“Lamentavelmente, podemos dizer que no Brasil há uma epidemia de violência doméstica, que não é suficientemente abordada, protegida, atendida pela parte do Estado”, afirmou Vivanco ao Bom Dia Brasil .
O relatório cita dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que indicam 4.539 mortes de mulheres em 2017, sendo que a polícia registrou 1.133 como feminicídios (ou seja, casos em que a morte da mulher foi motivada pela condição de gênero). O relatório aponta que o número de feminicídios está provavelmente subnotificado.
Em todo o país, onde vivem mais de 200 milhões de habitantes, o número de casas que oferecem acolhimento para as mullheres vítimas de violência caiu de 97 para 74.
Violência contra a mulher gera concessões de medidas protetivas — Foto: Doidam10/Freepik
Sistema carcerário lotado
A Human Rights Watch destacou que, em junho de 2016, mais de 726 mil pessoas estavam presas no Brasil. Porém, o sistema carcerário só tinha capacidade para abrigar a metade deles. No fim de 2018, o número de presos era estimado em mais de 841 mil.
Além da superlotação, o estudo aponta que menos de 15 % dos presos estudam ou trabalham. A assistência médica para os encarcerados é frequentemente deficitária.
Na avaliação da ONG, essas falhas no sistema carcerário aliadas à deficiência no número de agentes penitenciários tornam impossível que o estado brasileiro mantenha controle sobre as prisões.
Homicídios
O número de assassinatos também chamou a atenção da ONG. Em 2017, o número de homicídios bateu recorde: 64 mil. Porém, apenas 12 mil foram denunciados pelo Ministério Público. Entre as vítimas de homicídios não esclarecidos, o relatório cita a vereadora Marielle Franco e o seu motorista, Anderson Gomes.
A violência policial também aumentou. Em 2018, no Rio de Janeiro, as mortes causadas por policiais aumentaram 44% em relação ao mesmo período do ano anterior.
“O Rio de Janeiro tem 17 milhões de pessoas. A polícia matou 1400 civis. Nos Estados Unidos, um país com 325 milhões de pessoas, no mesmo período, a polícia em confronto com civis matou 1000. São números que em alguns casos podem ser equiparados com conflitos armados internos ou até internacionais”, declarou José Miguel Vivanco.
Crítica a Bolsonaro
Na edição deste ano do relatório, que tem 674 páginas, a organização analisa dados coletados entre o fim de 2017 e novembro 2018.
O diretor-executivo da ONG, Kenneth Roth, defendeu que governos autoritários têm espalhado ódio e intolerância pelo mundo, mas enfrentam uma crescente resistência por parte dos defensores dos direitos humanos, da democracia e do Estado de direito.
Durante apresentação do relatório, Roth citou o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, entre os governantes conhecidos por práticas autoritárias, como o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, e da Hungria, Viktor Orbán.
“O novo presidente do Brasil, Bolsonaro, é o mais recente exemplo [de governante] autoritário. Ele entra no grupo de figuras como [Recep] Erdogan, da Turquia; [Abdel Fatah al-] Sissi, do Egito; [Rodrigo] Duterte, das Filipinas; [Viktor] Orbán, da Hungria; [Vladimir] Putin da Rússia e Xi Jinping, da China."
Imigrantes venezuelanos
O relatório menciona, ainda, que milhares de venezuelanos atravessaram a fronteira para o Brasil para fugir da fome, falta de cuidados básicos de saúde e devido à perseguição política.
"Até outubro, o governo federal e o Acnur [a agência da ONU para os refugiados] abriram 13 abrigos em Roraima, que acolhiam mais de 5.500 venezuelanos. O governo tem demorado para integrá-los à sociedade; a maioria das crianças em abrigos não frequenta a escola e muitos venezuelanos ainda não têm documentos."
O documento lembra que, até novembro, mais de 3.100 venezuelanos haviam se beneficiado de um programa federal de transferência para outros estados e critica casos de violência na fronteira, como a expulsão por brasileiros, em março, de venezuelanos de um abrigo improvisado em Roraima, e o linchamento por vários brasileiros, em setembro, de um venezuelano acusado de assassinato.
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