Na casa dos Pereira Vilela, a covid arrombou a porta e se instalou nos pulmões de pai, filho e esposa. Jogador de futebol e amigo de muita gente, seu Dorvalino Afonso Vilela, de 78 anos, ficou 13 dias na UTI, mas não resistiu e morreu ontem. Não houve sequer despedida da esposa, dona Maria José, nem do filho Mário Márcio. Cada um está internado em um hospital, travando uma batalha solitária contra a covid.
"Prepararam ela e contaram ontem à noite. Ela está num desespero danado, é o marido e o filho", reproduz o irmão de Dorvalino, o advogado Delcindo Afonso Vilela, de 77 anos. Maria José está no Hospital da Unimed, sendo observada, mesmo lugar onde o marido passou os últimos dias na UTI. Já o filho segue entubado no Hospital El Kadri. Em coma, ele não sabe da morte do pai.
Seguindo os protocolos, a despedida de seu Dorvalino foi imediata assim que o corpo chegou ao cemitério Jardim das Palmeiras, na manhã de hoje.
Aposentado há cerca de cinco anos, seu Dorvalino teria sido um ótimo personagem se em vida tivesse narrado como foram todos os jogos de futebol em que atuou na defesa. Era essa a área dele: zagueiro.
Nascido e criado na Capital, Dorvalino tinha uma família enorme. Só de irmãos eram 13, mais todos os amigos que colecionou ao longo das sete décadas. No entanto, por conta da covid, somente filhos e netos puderam ver o caixão fechado.
"Perdi meu irmão, faleceu ontem e tem o filho dele que está internado", é assim que Delcindo resume a covid na casa dos Pereira Vilela. Pereira veio de dona Maria José, Vilela era deles.
Na memória do irmão, ficaram as lembranças dos jogos de futebol e da solidariedade, principal virtude do gerente de transportes. E foi pela solidariedade que eles se encontraram pela última vez, 40 dias atrás. "Tinha uma pessoa que estava passando necessidade e fui levar um sacolão que ele tinha pedido. Estava tudo normal e aquele foi o último dia que eu o vi".
Dorvalino não saía de casa por nada. "Com medo desse troço, ele não saía de jeito nenhum", recorda o irmão. Cinco anos atrás, ele havia tido um infarto que deixaram sequelas e há três anos, depois de uma apendicite, Dorvalino ficou dois meses internado por conta de uma infecção. Situações que abalaram sua saúde.
Sem sair de casa, para o irmão, foi o vírus que entrou. Pai, mãe e filho moravam juntos e foi Mário Márcio, que também é advogado, quem pegou primeiro. Depois foram os pais. "Ele era uma pessoa que não saía, estava se cuidando. Esse vírus veio de fora e entrou na casa dele, esse troço", lamenta.
Dorvalino e Delcindo tinham 1 ano e 6 meses de diferença de idade. Cresceram um ao lado do outro e se separaram ontem. "Eu não pude visitá-lo, não pude nada, foi muito triste. Jogávamos futebol juntos, ele gostava de um futebol", conta o irmão.
Logo que a notícia da covid na família chegou, seu Delcindo se viu assustado. "Quem não assusta num desastre desse? Eu estou me cuidando, pouco saio de casa. A gente pensa que não dá na gente e olha o que acontece?" questiona.
Amável, amigo e solidário, o aposentado morreu sem receber nenhum abraço. "Isso que amargura a gente... Não ter velório deixa tudo mais difícil, porque o velório é uma despedida que a gente faz e que nem pode fazer dele".
Dorvalino deixou três filhos, seis netos e cinco bisnetos.
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