Em agosto, o gaúcho de 72 anos se despediu da vida e agora família quer dar continuidade ao legado dele
O menino ‘cabeludo’ que adorava música descobriu na alfaiataria sua segunda paixão e profissão. Em 1990, Pedro Valdir Barbosa Telles saiu do Rio Grande do Sul para ganhar a vida em Campo Grande. Na cidade, ele ficou conhecido pelos ternos impecáveis que vestiam advogados e juízes.
Aos 72 anos, Valdir encerrou sua história que hoje é lembrada e contada pela companheira que o acompanhou durante 59 anos, a Carmen Peruzzo, de 71 anos. Além dela, o alfaiate deixou três filhos: Raquel Jacques, de 44 anos, Alan Telles, de 40 anos, e Renan Telles, de 31 anos.
É na sala de casa, que sempre foi o ateliê de Valdir, que esposa e filha falam sobre a pessoa querida que ele era. No lugar ainda estão os últimos ternos produzidos por ele, arranjos floridos de condolência enviados por clientes e objetos personalizados do time de coração, o Sport Clube Internacional.
Antes de aprender a arte de criar roupas masculinas sob medida, Valdir foi um jovem músico. É assim que Raquel inicia a narrativa sobre o pai que nasceu em Guabiju (RS).
“Ele veio de uma família muito humilde. Eram 11 irmãos e eles viviam do trabalho da roça, da agricultura. Ele sempre gostou muito da música, ele aprendeu por conta própria a tocar violão e cantava. Ele foi servir o quartel e lá dentro teve um maior preparo”, comenta.
Segundo Carmen, o marido levava jeito para a carreira musical. “Ele tinha uma voz muito boa, elogiada por todos e ele foi cantor depois disso”, diz. No Rio Grande do Sul, Valdir participou das bandas Marinheiros do Amor e Garrafão. "Ele fazia as roupas do grupo”, afirma Carmen.
Essa fase de vocalista e contrabaixista estão registradas nas fotografias guardadas em casa. Nas fotos, é possível notar que Valdir mudou o estilo e aderiu ao corte militar, mas seguiu fazendo o que amava. “Ele guardava essas fotos com muito carinho, porque foi uma época onde ele foi muito feliz e realizado”, declara a filha.
Nesse período, Carmem e Valdir já estavam casados após terem namorado durante seis anos. Os dois eram vizinhos desde crianças, mas foi na adolescência que o relacionamento começou e permaneceu firme até o final.
A carreira como alfaiate - Aonde quer que fosse a música o acompanhava, porém Valdir decidiu que estava na hora de ter mais uma profissão. O curso de alfaiataria foi o caminho escolhido. Para ter mais chances de trabalho, ele e a família se mudaram para Caxias do Sul.
Em Caxias do Sul, Valdir teve a própria alfaiataria, porém abriu mão do negócio por ter sido convidado por uma loja importante da região, a Bela Itália. Ali, ele deu os primeiros passos na carreira.“Ele cativava os clientes, porque o diferencial dele sempre foi o jeito de ser”, fala Raquel. “Ele sempre foi muito simpático”, afirma Carmen.
Na década de 1990, a família veio para Mato Grosso do Sul onde se estabeleceu. Cansado da mesmice da cidade, Valdir queria novos ares e aceitou o convite dos parentes de Carmen que estavam morando em Campo Grande. Além de procurar novo impulso profissional, o alfaiate queria curtir um novo clima. "Ele sempre falava que um dos motivos de vir embora para cá foi por causa do frio", diz Carmen.
Somente após essa mudança, ele deixou de lado a vida nos palcos para se dedicar exclusivamente à confecção de ternos e roupas sociais. Na cidade, ele trabalhou nas lojas Centauro e Pagnoncelli, mas procurou investir no próprio ateliê. Para conseguir contatos na cidade, Valdir e a família saiam entregando panfletos aos domingos.
Não demorou para que ele caísse nas graças dos clientes, conseguisse ter uma agenda fixa de encomendas e recebesse indicações. Raquel relata quem eram as pessoas que mais recorriam aos serviços. “Muitos clientes não iam à loja, mas vinham aqui em casa conhecer. Aí começou com advogados, médicos, juízes e depois políticos”, conta.
Enquanto ele fazia os ternos, Carmem ficava responsável pelas camisas sociais. perfeccionista e com olhar crítico, segundo Raquel, o pai procurava entregar as melhores peças aos clientes. "Ele era muito exigente com ele mesmo e com quem trabalhava com ele para fazer tudo certinho e poder encantar o cliente. Essa era a vontade dele, o fundamental era oferecer uma peça de qualidade", afirma.
Da internação a despedida - Valdir faleceu no dia 27 de agosto após ficar 34 dias internado. Em julho, ele saiu da casa para onde não conseguiu retornar. Carmem relata como foi o momento esse momento onde o marido recebeu o diagnóstico positivo para covid-19.
"Ele ficou ruim aqui no domingo a noite, teve sintomas e na segunda de manhã fomos para a Unimed e ele já ficou internado. A doutora falou que ele estava com falta de ar, que a situação dele era grave e que já precisava internar. No décimo dia, o resultado do raio-x veio como bactéria no pulmão, então o vírus era uma coisa e ele pegou bactéria no hospital. Ele precisou de um leito de UTI", lembra.
Os clientes antigos que não sabem do falecimento de Valdir ainda ligam pedindo ternos. "Todo dia o telefone toca, a campainha toca. Hoje uma mulher ligou falando que precisava de um terno para outubro", diz. "Nós não conseguimos avisar todo mundo", justifica Raquel.
Agora, a família quer seguir dando continuidade ao legado de Valdir. É o que destaca Raquel. "Ele viveu tanto, trabalhou tanto, construiu o nome dele, o serviço dele. Eu falo pra minha mãe que aquilo que ela consegue fazer que não pare e dê continuidade", comenta.
Por ser costureira, Carmen garante que continuará atendendo os clientes do marido. "Se o que eles precisavam fazer estiver ao meu alcance eu atendo. Eu pretendo continuar", afirma.
Agora, mesmo sem o Valdir, o ateliê seguirá funcionando na Rua Palmital, 207, Bairro Monte Carlo.
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