Sem uma criança muito próxima e que significasse para o casal a ponto de entrar com as alianças, Eduardo e Mayra escolheram o avô do noivo para cruzar os convidados até o altar. A cerimônia aconteceu há dois anos, mas as imagens do casamento hoje aquecem o coração da família porque o protagonista delas, seu Harmelindo, morreu no final de outubro, aos 92 anos.
O princípio que norteou a vida do avô foi outro detalhe que despontou no coração dos noivos a vontade de vê-lo como pajem.
Seu Harmelindo foi agricultor, nasceu em Olímpia, no interior de São Paulo, e já usufruía da aposentadoria. Depois que os filhos cresceram, ele passou a morar cada temporada com um deles.
Nos últimos anos, foi em Campo Grande que viveu, na casa de uma das filhas, no Bairro Santa Fé, região onde ficou conhecido pelas caminhadas.
Da mulher, seu Harmelindo se despediu ainda muito jovem. Dona Júlia morreu de doença de Chagas. Dela o marido pouco falava, se limitava a dizer que os dois eram vizinhos de sítio. O amor mesmo foi demonstrado nos votos feitos no passado, de ser fiel, que ultrapassaram a morte da companheira.
Para o Eduardo criança, o avô ensinou a fazer vinho sapateando em cima das uvas, além de construir brinquedos com caixas de madeira. Todas estas memórias inspiraram a escolha do neto, para que seu Harmelindo levasse as alianças até o altar.
“O que eu mais admirava é que aos 90 anos ele ainda jogava escopa com meu pai e era todo racional nas contas. Estava sempre alegre... Nos churrascos de domingo, pedia para que eu cortasse a carne, porque ele gostava somente das ‘molinhas’, e ainda queria um gole da minha cerveja dizendo: ‘mas só um dedinho’”, narra o neto.
Fã das reportagens de rural, ele gostava de saber das coisas do campo e ver o quanto a tecnologia havia chegado ao meio.
E foi justamente em um dos almoços de domingo que Eduardo e Mayra avisaram que iriam se casar e perguntaram se o avô poderia levar as alianças. “Como ele era bem sério e não demonstrava muita emoção, sorriu e disse ‘será que eu vou dar conta de chegar até lá?’” recorda o neto. A indagação veio junto com um sorriso aberto.
O convite foi feito em junho, quatro meses antes do casamento, e desde o início seu Harmelindo se preocupou com a roupa que iria usar. No dia, noivo, irmão, pai e avô se arrumaram juntos no espaço onde aconteceria a cerimônia.
As cenas foram registradas pelo fotógrafo Raphael Lopes mostrando três gerações dando nó na gravata. Enquanto se arrumavam, todos se emocionaram. Os sentimentos se revezavam entre o riso e o choro.
Na cerimônia, seu Harmelindo ficou no cantinho acompanhando os dizeres até que chegasse a vez de entrar. “Ele se equilibrou certinho, vinha sorrindo, aquele sorriso de quem ria e fazia um biquinho tímido”, descreve o neto.
Como um pouquinho antes começou a garoar e o “sim” era num espaço aberto, o avô teve mais um adereço incorporado à figura de pajem. “Ele entrou segurando um guarda-chuva, o porta-aliança e veio se equilibrando”, completa Eduardo.
E se nas fotos seu Harmelindo aparece sempre sorrindo, do altar o neto chorava feito criança.
Para quem achou, quando recebeu o convite, que não ia “chegar até o casamento”, o avô não só chegou como comemorou seus 90 anos com direito à festança no interior de São Paulo, e viveu até os 92 anos.
Eduardo e Harmelindo tinham uma forte ligação. Agora, no mês de outubro, enquanto o neto viajava de férias, sentiu ao ver uma foto do avô, que ele estava partindo... Do coração fez o apelo para que ao menos houvesse uma despedida.
“Cheguei em Campo Grande na segunda, fui vê-lo à noite e ele já não falava mais direito, mas me olhou e eu falei ‘tudo bem, vô?’. Vi que ele respondeu mais ou menos com as mãos e abriu um sorriso”, detalha Eduardo.
Harmelindo atendeu ao apelo do neto e partiu somente na manhã seguinte, depois da despedida. A morte foi de velhice mesmo, os batimentos foram parando, parando e parando.
Hoje, as imagens do avô entrando no casamento enchem de lágrimas os olhos de Eduardo. “Amor, amor, amor. Lembrar e saber que tudo o que eu pude aproveitar ao lado dele, eu aproveitei. Nos nossos churrascos de domingos, sempre pude conversar e estar perto dele”, reflete.
Harmelindo morreu aos 92 anos de idade e foi sepultado ao lado da amada Júlia, em Rancharia, interior de São Paulo.
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