Lojas saqueadas, agências bancárias depredadas e barricadas com fogo impedindo o trânsito nas principais vias de dois dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro. Foi assim a madrugada no Leblon e em Ipanema, após o protesto que começou pacífico no final da tarde de quarta-feira (17), mas terminou de forma violenta, com manifestantes e policiais feridos.
O protesto chegou a reunir cerca de 500 pessoas na rua Aristides Espínola, no Leblon, onde mora o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB).
O confronto começou por volta 22h30. Um grupo arremessou pedras e fogos de artifício nos policiais, que revidaram com bombas de efeito moral. Uma bala de borracha atingiu a perna do repórter da Folha.
Diferentemente de outros protestos, desta vez a polícia dispersou o primeiro foco de resistência com bombas de efeito moral e gás lacrimogênio. Logo em seguida, recuou para a base montada no quarteirão do governador e, a partir daí, só agiu duas horas e meia depois. A lacuna permitiu que jovens de rostos cobertos quebrassem placas, vidraças de agências bancárias e lojas nas redondezas, promovessem saques e distribuíssem barricadas com fogo nas principais ruas dos dois bairros.
A loja de roupas da marca Toulon, que fica a um quarteirão de distância de onde estava a Polícia Militar, no Leblon, foi a mais depredada. A vitrine foi destruída e a loja, saqueada. Os manequins foram usados para abastecer a fogueira montada na esquina. Parte das roupas teve o mesmo destino --os manifestantes bradavam que se tratava de uma "queima de estoque".
Outra parte foi dada a garotos de rua que, incrédulos, vestiam imediatamente os tênis de marca que recebiam. Uma terceira parte das roupas foi direto para mochilas de pessoas com os rostos cobertos. Quem resolvia criticar o ato de vandalismo ouvia imediatamente o grito: "sem moralismo".
"Os protestos no Rio sempre começavam de forma pacífica, com casos pontuais de vandalismo. Em geral, a polícia respondia com uma força desproporcional, atingindo gente que não estava necessariamente no grupo violento. O que vimos hoje foi o extremo oposto: o vandalismo não foi reprimido de maneira alguma", disse uma integrante do grupo Habeas Corpus, de advogados voluntários que prestam consultoria jurídica a manifestantes detidos pela polícia. A advogada, que pediu que seu nome não fosse revelado, disse que o grupo tem o apoio da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
A poucos metros de onde a loja era depredada, funcionários de um dos bares mais tradicionais do Rio, o Jobi, se recuperavam do efeito de uma bomba de gás lacrimogênio que atingiu o estabelecimento. Um grupo de médicos e enfermeiros voluntários, vestidos de jalecos brancos, ajudava os que sofriam com os efeitos do gás.
Depois do primeiro confronto com a polícia, os manifestantes decidiram marchar do Leblon até Ipanema. Eles seguiram na rua Ataulfo de Paiva até a Visconde Pirajá, no bairro vizinho. No trajeto, fecharam a via com sacos de lixo em chamas. Quase todas as agências bancárias nesse percurso foram depredadas.
Os poucos moradores que assistiam às cenas estranhavam. Os manifestantes levavam o caos às ruas e a polícia, aparentemente, só observava. Motocicletas guiadas por policiais do Batalhão de Choque circulavam e não intervinham nos atos de vandalismo.
Na altura da rua Maria Quitéria, já em Ipanema, um manifestante tentou depredar uma obra de arte --uma vaca colorida que fica exposta ali-- e foi repreendido pelo restante do grupo. ''Não quebra não que é arte", diziam. "Quebra o banco que é melhor".
Nessa mesma esquina, um grupo de 50 pessoas discutiu com um policial militar. "Eu posso ir aí falar com vocês ou vou ser agredido?", perguntou o PM. "Vocês têm o direito de se manifestar, mas eu preciso que vocês liberem a via. Vocês estão tirando o direito de ir e vir das pessoas que estão querendo sair para trabalhar", disse.
O grupo tentou rebater os argumentos do policial. "Ninguém sai para trabalhar à 1h da manhã", disse um integrante. Uma menina questionou o fato de o policial estar armado com uma pistola no meio da manifestação. O policial respondeu que aquela arma era uma de suas ferramentas de trabalho e mesmo quando não vá usá-la, ele precisa andar com ela.
"Por que você não vem para o nosso lado? Você também é explorado", provocou um dos jovens.
Já em Ipanema, o grupo decidiu seguir para o prédio do secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame. Assim que chegaram ao local, encontraram quatro policiais atônitos, surpreendidos com aquele grupo de cerca de 50 pessoas que apareceu. "Beltrame, cadê você? Eu vim aqui para te prender", cantavam. "Fora Cabral", gritavam.
Novamente, os manifestantes cercaram a viatura e bateram boca com os policiais. Integrantes do Batalhão de Choque começaram a cercar a rua, mas o grupo só começou a se movimentar quando apareceu o "brucutu", carro que lança jatos d'água para dispersar a multidão. "É o brucutu, guarda a câmera para não molhar".
Causava surpresa o fato de o equipamento, adquirido recentemente devido à onda de protestos, não lançar jatos com força suficiente para atingir o grupo, que estava a menos de 15 metros.
Os manifestantes gritavam para a polícia usar aquela água para abastecer as cidades da Baixada Fluminense e em seguida cantaram a música "Água Mineral", do músico Carlinhos Brown.
Enquanto os manifestantes prestavam atenção na água, policiais abriram fogo com suas escopetas com munição de borracha. Um grupo se dirigiu ainda na madrugada para a 14ª Delegacia de Polícia, no Leblon, para denunciar supostos excessos que teriam sido cometidos por policiais.
Comentários