Uma semana atrás, Campo Grande acordou com a notícia da localização do corpo de Carla Santana Magalhães, jovem de 25 anos que havia sido sequestrada na terça-feira (30). Instalou-se entre as mulheres clima de pânico, provocado pela crueldade do assassinato, com evidências de tortura. E a tensão aumenta a cada dia, pelo fato de ninguém ter sido preso e, também, pelas fake news que invadem as redes sociais, indicando a existência de maníacos sexuais atuando na cidade.
Embora as autoridades já tenham vindo à público negar essa hipótese, a roda viva da internet continua produzindo medo e tentativas de reação. Das mais jovens às mais velhas, há por todo o lado a conversa sobre mudanças de rotina, para se proteger, e até a troca de dicas de segurança. Entre as opções cogitadas está a compra de armas brancas ou não letais, como armas de choque e spray de pimenta. As últimas, na verdade, são de uso vetado.
O Campo Grande News encontrou esses produtos à venda no Centro da cidade, em camelôs. Há, por exemplo, uma lanterna, que na verdade é taser, como são chamados equipamentos capazes de produzir choque elétrico, usados para imobilizar bandidos. Custa R$ 75.
No vídeo abaixo, confira demonstração dos produtos encontrados à venda.
Outra alternativa oferecida, e falada entre mulheres com medo de sair na rua como opção para “reagir” a ataques, é o velho canivete, ao valor de R$ 55.
“São mais as mulheres que procuram”, atesta o vendedor.De acordo com ele, por dia saem 8 desses itens, entre lanternas e canivetes.
É possível encontrar os produtos até no Centro Popular Comercial Marcelo Barbosa, o popular “Camelodrómo”. A reportagem encontrou a “lanterna de choque” por R$ 50 e uma taser de tamanho pequeno, parecida a um controle remoto, por R$ 40. Ninguém dá entrevista, como é de se esperar. Durante a busca, não encontramos spray de pimenta.
Ainda neste texto, você vai ver que a Polícia Civil diz que quem compra esse tipo de equipamento está incorrendo em contravenção penal. Para se prevenir da violência, a orientação da Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher) ainda é focada nos cuidados com a rotina e na denúncia à delegacia sempre que for vítima ou mesmo presenciar um crime.
Medo como parceiro – A reportagem esteve no bairro onde Carla morava, o Tiradentes, na região leste da cidade. Por ali, o discurso das moradoras é de receio de sair de casa.
Moradora perto da casa de Carla há 2 anos, açougueira de 38 anos disse que já tomava precauções e agora, intensificou os cuidados. “Eu já não saia de casa à toa, minha filha também não saia sozinha, depois que aconteceu isso eu evito ao máximo ate ir no mercado próximo aqui de casa, prefiro chamar um Uber e ir mais longe do que arriscar sair sozinha por aí”, conta. “Quando chego ainda peço pro motorista esperar eu entrar em casa”, completa.
“Minha filha ficou assustada e além disso tenho visto muitos relatos nas redes sociais que assustam cada vez mais”, testemunha.
Aos 70 anos, aposentada mora há mais de 30 anos no bairro diz não sair nem no portão de noite.
“Tem muitas pessoas que não conhecemos andando por aqui, fica difícil confiar nas pessoas. Tenho muito medo, não temos segurança de nada, só temos que prevenir e não sair de casa. Depois dessa história nem pra comprar um leite sozinha eu to saindo, meu filho que me leva”, conta.
Além do medo, a solidariedade e a compaixão acompanham a idosa. “Fiquei com uma dó da mãe dela, eu oro todos os dias por essa mãe, e fico me perguntando por que foi acontecer essa barbaridade com ela? E quando começa assim, esse povo não para mais”, teme.
Trabalhadora na saúde, outra personagem dessa reportagem, de 37 anos, reside "a vida toda" no Tiradentes. Para ela, o bairro sempre foi tranquilo. Não está mais.
“Estamos mais apreensivas, para vir caminhar eu tive que esperar meu pai me acompanhar”. A filha de 12 anos é repreendida, diz, até se chegar perto do portão.
“Não sabemos ao certo o que aconteceu, se ele foi uma vítima escolhida aleatoriamente pode acontecer com qualquer uma de nós”, entende. “Minha filha ficou com medo, fez várias perguntas, tínhamos o costume de ir a pé na casa dos meus pais que moram próximo da gente, mas depois disso estamos evitando. Aqui nunca ninguém passou por isso, fomos pegos de surpresa”, relata.
Andamento – Sobre a investigação da morte, ainda não há detalhamento por parte da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homícidio). A informação tornada pública pelo titular da unidade, Carlos Delano, é de que não adiantaria linhas de investigação ou se há suspeitos para não prejudicar a eficiência do trabalho de investigação.
O policial confirmou, apenas, que a necropsia indicou a morte de Carla poucas horas depois do sequestro, que ela foi vítima de cortes profundos na garganta e que sofreu violência sexual.
Esse caso está na DEH porque é essa unidade onde vão parar as investigações de desaparecimentos, como foi registrado o episódio criminoso envolvendo a jovem, inicialmente. Os inquéritos sobre violência contra a mulher vão para a DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher).
O Campo Grande News conversou com uma das delegadas sobre os inúmeros relatos de tentativas de sequestro e coisas do tipo espalhados pelas redes sociais. Segundo ela, houve uma prisão, na semana passada, de um “tarado” que usava um carro prata, e as restantes ou não chegaram ao conhecimento da polícia ou são referentes a outros tipos de crime, como assaltos.
Confira abaixo a entrevista com a delegada Bárbara Camargo Alves.
Campo Grande News: Delegada, existem investigação de suspeitas de ataques em série ae mulheres em Campo Grande?
Bárbara Camargo Alves : “A Polícia Civil apurou que não há qualquer indício de ataques em série a mulheres em Campo Grande. Ocorre que estão circulando muitas notícias falsas, sobretudo por meio de áudios compartilhados em massa nas redes sociais, noticiando supostos ataques a mulheres e imputando tais fatos a uma pessoa ou grupo de indivíduos.
Essas notícias falsas, juntamente com a comoção causada pela morte da vítima Carla Santana Magalhães, de 25 anos, na semana passada, tem provocado pânico na população feminina. A Polícia Civil informa, entretanto, que não existe investigação e nem suspeita deste tipo de ataque em curso.
Foi investigado na última sexta-feira (3) um caso isolado de um homem de 30 anos, conduzindo um veículo de cor prata, que passou a mão na bunda de uma vítima e se masturbou em público. Este individuo já foi identificado e indiciado pela DEAM (Delegacia de Atendimento à Mulher de Campo Grande) e a investigação já está em fase de conclusão.
É importante destacar que compartilhar notícias sem verificar sua veracidade pode promover uma sensação de insegurança e pânico na população e prejudicar o trabalho policial. Criar áudios ou notícias de modo a anunciar perigo inexistente é contravenção penal passível de responsabilização criminal e a Polícia Civil está investigando a autoria de áudios com notícias falsas compartilhadas nas redes sociais.”
Campo Grande News: Há mulheres decidindo comprar itens de defesa pessoal, como por exemplo, arma de choque, uma laterna que na verdade é uma arma branca, spray de pimenta... Esses produtos são legais?
Bárbara Camargo Alves : “Arma de choque e spray de pimenta são classificadas como armas não letais, portanto, sua venda e uso são controlados. Tais objetos apenas podem ser utilizados por agentes de segurança pública e privada – sendo que estes têm que passar por treinamentos e cursos específicos antes de receberem autorização de porte e uso. O Exército Brasileiro, junto com a Polícia Federal, são os órgãos responsáveis pela regulação e autorização de uso de tais equipamentos.
A aquisição e uso de armas não letais por mulheres como forma de defesa pessoal está sendo discutida pelo poder legislativo em projeto de lei (PL 632/2019), porém ainda em tramitação. Assim, o porte particular de tais objetos configura contravenção penal, de modo que se a pessoa for surpreendida com tais objetos, os mesmos serão apreendidos e ela poderá ser encaminhada à Delegacia de Polícia.”
Campo Grande News: Qual é a orientação policial sobre prevenção a violência para as mulheres quando saírem às ruas?
Bárbara Camargo Alves: “Infelizmente, mulheres ainda têm que ter uma atenção redobrada ao sair às ruas, devendo evitar locais ermos e com pouca iluminação, sobretudo em períodos noturnos. A orientação da Polícia Civil é que uma pessoa evite reagir e sempre peça ajuda ao se ver em uma situação de risco. A palavra da mulher é suficiente para que a Polícia Civil inicie uma investigação nos crimes de gênero (violência doméstica ou sexual contra a mulher), então é importante que a pessoa que se veja neste tipo de situação procure uma delegacia de polícia mais próxima ou as delegacias especializadas no atendimento à mulher para registrar ocorrência. Não basta denunciar nas redes sociais, é preciso acionais os canais oficiais de denúncia tais como delegacias, disque 180 e BO Online.
Campo Grande News: Qual é o comportamento indicado, em caso de ver um ataque, ou ser vítima de um, em relação à denúncia aos órgãos competentes?
Bárbara Camargo Alves: Importante é sempre buscar ajuda da polícia. Se uma pessoa testemunhar um crime, ligue imediatamente para o 190, informe o que está acontecendo e o endereço, para que a Polícia Militar compareça ao local. Tentar intervir ou reagir pode ser ainda mais perigoso, pois civis não possuem treino para o confronto e podem estar diante de um indivíduo armado e perigoso, assim, prefira sempre pedir ajuda. Se for possível sem colocar a sua vida ou a vida de outras pessoas em risco, após acionar a polícia ou o socorro, filme ou fotografe as ações presenciadas, que podem auxiliar nas investigações. Ao testemunhar um ato de violência, sempre procure acionar a polícia, mesmo se achar que outra pessoa já realizou o acionamento. Se o fato já aconteceu e a pessoa não se encontra mais em situação de perigo, deverá comparecer na delegacia de polícia para registrar a ocorrência.
Serviço: Se você estiver em situação de perigo imediato a recomendação é chamar a Polícia Militar, no 190. Se a situação já tiver ocorrido, procure uma delegacia de Polícia Civil.
A Deam atende pelo número 2020-1300, para informações e orientações. Denúncias devem ser presenciais.
A DEH, onde podem ser registrados desaparecimentos, tem o número 67 9238-4923
Comentários