Brasil

Osyris saiu da fome com receitas ensinadas pela mãe na Venezuela

Osirys Marianela Rodriguez mora em Dourados e trabalha vendendo alimentos. (Foto: Helio de Freitas) Osirys Marianela Rodriguez mora em Dourados e trabalha vendendo alimentos. (Foto: Helio de Freitas)

Sabor

“Se eu fico aqui, a fome vai matar a gente”, conta a venezuelana sobre o que pensava ao deixar seu país

Há quatro anos morando no Brasil, Osirys Marianela Rodriguez nunca imaginou que as receitas ensinadas pela mãe seriam sua salvação contra a fome. Com duas filhas pequenas, a venezuelana deixou seu país, viu sua qualificação perder valor e precisou recomeçar a vida em solo sul-mato-grossense.

“Se eu fico aqui, a fome vai matar a gente”, Osirys se lembra de ter pensado quando morava na Venezuela. Sem ver outra solução, ela conta ter deixado parte da família no país, trazendo apenas incertezas, malas e os filhos ao Brasil.

Hoje, ela mora em Dourados e, depois de trabalhar como camareira, costureira e operadora de caixa, finalmente tem conseguido voltar a ter melhores perspectivas de vida. “Tive a ideia de começar a cozinhar porque minha mãe me ensinou muita coisa. Ela trabalhou a vida toda e formou os filhos cozinhando. Por isso, desde pequeno a gente já aprendeu a cozinhar também”.

Começando em seu quintal, ela passou a vender lanches e alguns pratos tradicionais da Venezuela ao lado de um amigo, que considera irmão. “Minha mãe me ensinou muito sobre comida e também sobre insistir no trabalho. Então aprendi a preparar sobremesas e comecei a vender pelo Facebook Hallacas, um prato típico de Natal na Venezuela”, explica.

Desde que passou a aplicar as receitas aprendidas com a mãe, Osirys narra que começou a sonhar com uma vida melhor mais uma vez. A diferença entre hoje e quatro anos atrás é tanta que ela conta ter recuperado até seu peso.

“Eu cheguei a pesar 49 quilos porque tinha que amamentar, não conseguia comer direito. Hoje voltei a ter 76 quilos, meus filhos estão na escola e sou muito grata. Sinto muita saudade da minha mãe, do meu país, mas penso que Deus está comigo”, conta.

Da Venezuela ao Brasil

Na Venezuela, Osirys trabalhou como engenheira metalúrgica até o momento em que se viu sem conseguir pagar o aluguel e comprar uma lata de leite para o filho pequeno. Sobre o processo até sentir que havia chegado o momento de seguir os passos de tantos outros colegas, a engenheira relata que tudo foi uma sucessão de eventos.

“Quando você sai de um país na situação em que saí de lá, você não tem certeza do que vai enfrentar. Você precisa tirar seus filhos daquele sistema e é muito duro porque me formei lá com o sonho de ter uma família, minha casa, meu carro, uma vida boa. Você tem sonhos como qualquer outra pessoa”, conta Osirys.

Vendo os sonhos se desfazendo cada vez com mais intensidade, a venezuelana vendeu o que tinha em seu país e seguiu em direção a Roraima. “Fui para lá, que é nosso primeiro contato, depois segui para Ribeirão Preto e lá comecei a trabalhar em um motel. Nunca na vida pensei que iria precisar limpar um quarto de motel, chorei muito, mas ficava pensando que iria conseguir comprar o pão para meu filho”.

Além de sentir todos seus anos de estudos significando praticamente nada, Osirys narra que, em conjunto ao fato de ser imigrante, ser negra potencializou o sofrimento. “Acho que no Brasil ainda tem algo muito ruim com pessoas de cor. Eu fui tratada muito mal e vi também que se você tem dinheiro, você é uma pessoa, mas quando não tem dinheiro, não é mais”.

“O mundo parece mais imenso quando você passa por essas situações, fiquei pensando por muito tempo para onde eu iria. Isso que está acontecendo hoje na Venezuela começou há 18 anos e, hoje, o que está acontecendo no Brasil é muito parecido com aquela época”, narra Osirys.

Puxando os detalhes em sua memória, ela destaca que também viu a inflação aumentando e o salário mínimo se tornando cada vez mais insuficiente em seu país. “Eu falo muito para as pessoas que conheço aqui que lá também começou assim. É importante que as pessoas cobrem do governo enquanto dá tempo”.

Focando no recomeço

Apesar de pensar diariamente sobre como seria poder viver em seu país caso ele melhorasse, Osirys narra que tenta deixar a saudade de lado. “Meu pai faleceu no ano passado e eu não consegui ir até lá, queria muito procurar minha mãe e vê-la de novo. Mas eu sou viúva, tenho dois filhos para criar e a perseverança é o que dá o nosso sucesso”.

Sem falsos otimismos, a Venezuela destaca saber de todos os problemas e de tudo o que perdeu, mas conta que os sacrifícios feitos hoje podem gerar um futuro melhor. “Não existe certeza, mas eu quero garantir algo melhor para meus filhos, para mim. Hoje pago meu aluguel, consigo comprar a comida e continuo fazendo mais coisas para melhorar”, completa.

Quem mora em Dourados ou está de passagem pela cidade pode entrar em contato com Osirys pelo número (67) 99286-9741. Além de lanches e sobremesas comuns no Brasil, ela também faz pratos típicos venezuelanos como a Hallacas, empanadas, Arepas, Pabellón Criollo e um pão recheado com presunto, azeitona, bacon, alcaparra, uvas passas e cebola.

Hoje, ela não possui um ponto fixo para seu trailer, por isso é necessário entrar em contato.

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