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Um parecer médico-legal enviado este mês ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e ao MP-SP (Ministério Público de São Paulo) aponta "erros inaceitáveis" nos laudos do Instituto de Criminalística e contesta a tese de que o adolescente Marcelo Pesseghini, 13, matou a família e cometeu suicídio em seguida, como aponta a Polícia Civil.
O documento cita que marcas na mão e no braço do menino seriam "lesões de defesa, indicativas que a criança, antes de ser executada, tentou defender-se". O parecer afirma também que, pela posição que o corpo de Marcelo foi encontrado, é improvável que ele tenha se matado.
Resultado parcial
O documento é assinado pelo médico-legista George Sanguinetti, que ficou conhecido após causar reviravolta ao defender a tese de duplo assassinato do ex-tesoureiro Paulo César Farias e sua namorada, Suzana Marcolino, ocorrido em 1996, em Maceió.
O Tribunal de Justiça de São Paulo informou que a petição do médico-legista foi juntada ao processo. O caso, porém, ainda está na fase de inquérito policial e sequer chegou ao Ministério Público do Estado, passados mais de seis meses do crime.
De acordo com a assessoria de comunicação do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), o único material que falta para concluir o caso é o resultado da quebra de sigilo telefônico da família. Um laudo revelou que, antes de morrer, Marcelo ligou dez vezes para uma mesma pessoa.
No dia seguinte aos crimes, a polícia já apresentava como principal linha de investigação a possibilidade de o estudante Marcelo Pesseghini ter assassinado a tiros o pai, Luís Marcelo Pesseghini, 40, sargento da Rota --tropa de elite da Polícia Militar--, a mãe, Andréia Bovo Pesseghini, 36, cabo da PM, a avó Benedita Bovo, 67, e a tia-avó Bernadete Bovo, 55, antes de se suicidar na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo.
Marcas na mão e braço
O laudo elaborado por Sanguinetti, ao qual o UOL teve acesso com exclusividade, revela que a mão esquerda de Marcelo "apresenta na região palmar equimoses, que são contusões, resultantes de ação traumática por objeto contuso."
"São lesões de defesa, indicando que o menor antes de ser executado, tentou resistência ao agressor", diz o parecer, citando que elas comprovam a tese de homicídio. O parecer também aponta também lesões no antebraço esquerdo e no punho.
"Na parte interna há um ferimento perfuro-cortante, resultante também de ter oferecido resistência ao agressor. Na tentativa de desejar responsabilizar o menor pela autoria da chacina, autoridade policial declarou que resultou de haver disparado pistola ponto 40. A afirmativa que disparar uma pistola ponto 40 causa distensão muscular na palma da mão, e daí as equimoses, não é verídica. Instrutores de tiro, em unidades militares, quer das Forças Singulares, quer da PM, negam esta absurda possibilidade", afirma no documento.
No parecer, o médico-legista defende também que a posição em que o corpo do menino foi encontrada é "incompatível com a possibilidade do mesmo haver cometido suicídio". Para questionar a tese de suicídio, Sanguinetti usa também outros argumentos, como o fato de não terem sido encontradas impressões digitais do menino na arma.
Ele questiona ainda que o exame necroscópico foi realizado, segundo consta no laudos do IC, em horário anterior ao horário registrado de chegada dos corpos ao IML (Instituto Médico Legal). Para ele, todo o procedimento foi "contaminado".
"O protocolo para os locais de morte não foi observado. Anotar a temperatura do corpo e a temperatura ambiente, logo ao chegar, como também registrar a temperatura do corpo antes do mesmo ser liberado para o IML", pontuou.
Laudo "risível"
Em seu parecer, Sanguinetti classifica como "risível" o exame psiquiátrico feito após a morte do adolescente, que, para ele, não aponta qualquer problema que justificasse um suicídio.
"O 'psiquiatra forense' atribui ao menor ser portador de encefalite. Por ausência de sinais, sintomas ou exames que provem a pretensa encefalite, utiliza a literatura de Miguel de Cervantes, compara o menor a Dom Quixote e afirma que a motivação dos homicídios múltiplos e do suicídio do menor foi psicopatológica. Psicopatológica tem sido a condução do inquérito policial", criticou.
O médico-legista afirmou ao UOL que resolveu investir no caso por perceber erros graves nas investigações.
"As provas técnicas não foram consideradas. O policial responsável disse que confiava no faro policial e que não valorizaria as provas técnicas, só que ele não respondeu a questões básicas. Eu me choquei e não quero viver num país onde os inquéritos não sejam éticos, não tenham apuração correta, não fiquem ao bel prazer das autoridades. A lei tem de prevalecer", disse.
Outro lado
Procurado pelo UOL, um dos delegados responsáveis pela investigação, Itagiba Franco, afirmou que estava afastado do trabalho por questões de saúde e não falou sobre o documento.
Segundo a assessoria do DHPP, a polícia não teve acesso ao parecer e não iria comentar as conclusões do médico-legista.
"O DHPP trabalha com laudos oficiais. Esse não é um laudo oficial", informou a assessoria. "Qualquer um pode elaborar um laudo, mas os laudos que valem são os dos [peritos] que frequentaram o local do crime", complementou.
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