Mas a vitória na Justiça encontra Alice afastada por decisão administrativa da Marinha
A União voltou a perder no processo em que militar transgênero da Marinha do Brasil, lotada em Ladário, obteve direito de usar cabelos, uniforme e nome feminino. O TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) também manteve decisão de pagamento de R$ 80 mil por constrangimento e humilhação.
Contudo, a decisão encontra a terceiro-sargento Alice Costa, 33 anos, afastada da Marinha por motivos de “transtornos mentais”. O afastamento perdura desde setembro de 2021. De acordo com a advogada Bianca Figueira Santos, a situação persiste apesar de a militar ter três laudos de médicos civis que apontam aptidão para o trabalho.
Na jornada pelos direitos, ela agora conta com a decisão da Primeira Turma do TRF-3. Após o julgamento de apelação, a União entrou com novo recurso, sustentando a nulidade da decisão por ausência de fundamentação.
Ao analisar o pedido, o desembargador federal Nelton dos Santos, relator do processo, explicou que a questão foi examinada de forma clara, nos limites da controvérsia, sem apresentar vício a ser sanado.
Para o magistrado, a negativa do reconhecimento de identidade das pessoas transgêneros violou direitos fundamentais.
“O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la”, destacou.
O relator considerou descabido o argumento do ente federal de que a militar estaria burlando o certame, pois foi aprovada em processo seletivo público para vagas do sexo masculino.
“A União entende que a autora não pode ocupar as vagas reservadas aos militares do gênero masculino por ser uma mulher transgênero, mas, no momento em que prestou o concurso, dificilmente seria aceita no quadro de militares do gênero feminino porque ainda possuía 'aparência masculina’, e tampouco estaria apta às referidas vagas na data atual em vista da ausência de mudança do nome do registro civil”, destaca o magistrado.
O desembargador federal acrescentou que o dano moral ficou configurado em virtude da humilhação sofrida no exercício da atividade militar.
“Há nexo causal entre a atitude da Marinha do Brasil e o alegado abalo na dignidade da autora. Com relação ao valor arbitrado, entendo que o montante fixado é adequado para cumprir a sua função compensatória, em vista da extensão do dano sofrido, bem como a sua função pedagógica, para desestimular à reiteração da conduta danosa praticada”.
Assim, a Primeira Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração e determinou à União o pagamento de R$ 80 mil por danos morais. Além disso, assegurou o direito de uso de uniformes e cabelos femininos do padrão da Marinha e do nome social na plaqueta de identificação e documentos administrativos.
Conforme a advogada, a União ainda pode acionar STJ (Superior Tribunal de Justiça) por meio de recurso especial e o STF (Supremo Tribunal Federal), via recuso extraordinário.
A saga de Alice – Em julho de 2021, a terceiro-sargento da Marinha de Ladário conseguiu na Justiça autorização para usar o nome social, fardamento e cabelos femininos durante o trabalho. A decisão foi do juiz federal Daniel Chiarettim, substituto na 1ª Vara Federal de Corumbá.
Um mês depois, a Justiça foi comunicada sobre o afastamento da militar por questão de saúde. Para a defesa, um recurso utilizado para não cumprir a decisão. A União também tentou derrubar a decisão no TRF 3 e ganhou alerta do desembargador sobre declarações “perigosamente discriminatória”.
“A alegação da União no sentido de que admitir o ingresso da autora na Marinha, nas funções que ocupa, seria o mesmo que ‘admitir o piloto de avião cego e o segurança armado tetraplégico’, ainda que por óbvio não tenha sido a intenção do ilustre procurador, me parece perigosamente discriminatória”, destacou Valdeci dos Santos, em agosto de 2021.
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