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Rivais em disputa por ala de prisão que matou nove em Feira já foram comparsas

Amigos, amigos, negócios à parte. Antes parceiros do crime em assaltos a banco, Haroldinho e Rafael puseram fim à velha parceria quando a disputa por pontos de tráfico de drogas e pelo comando do Pavilhão 10 do Conjunto Penal de Feira de Santana, a 108 quilômetros de Salvador, falou mais alto.

“Eles eram comparsas e depois se tornaram inimigos. O caso era sério”, afirma o coordenador da Polícia Civil de Feira de Santana, delegado João Uzzum. Foi essa disputa que desencadeou a rebelião no presídio, no domingo, em que nove detentos acabaram mortos e quatro ficaram feridos.

Haroldo de Jesus Britto, 41 anos, o Haroldinho, estava preso desde janeiro de 2011 por roubo a banco. Na época, ele confessou que sua quadrilha tinha assaltado agências bancárias em Utinga e Mairi, em 2010. Ele também era acusado de formação de quadrilha.

A ficha criminal do ex-comparsa, Ronilson Oliveira de Jesus, 38, vulgo Rafael, também é extensa: era processado por homicídio qualificado, formação de quadrilha e tráfico - atuava em bairros de Salvador e Feira. Apesar de separados, foram condenados, em 30 de março, por um crime cometido quando ainda eram parceiros: o assalto de Utinga. Cada um foi sentenciado a 10 anos de prisão por roubo, formação de quadrilha e dano qualificado.

Mas, a essa altura, Rafael já estava na rua. A Justiça mandou soltá-lo há dois meses e, em liberdade, ele mandou matar o ex-comparsa. “Havia divergências dentro do presídio à época em que Rafael, um dos líderes da facção Caveira, se encontrava no Pavilhão 10. Essa ordem de matar essas pessoas partiu dele”, diz Uzzum.

Reféns
Foram 18 horas de rebelião, que chegou ao fim por volta das 8h30 de ontem. Os presos do Pavilhão 10 do presídio fizeram 49 reféns - 41 mulheres (três delas gestantes), sete crianças e um homem. O motim começou por volta das 14h30 de domingo, logo após o início das visitas. De acordo com Uzzum, internos da ala 10 sacaram as armas e atiraram contra sete internos do mesmo pavilhão.

“Os que estavam com armas passaram a disparar contra os desafetos. Vários estavam com armas brancas. Buscaram as pessoas na cela e iniciaram os homicídios”, contou Uzzum.

Alguns presos aproveitaram o tumulto para tentar fugir, mas, após pularem um muro, foram detidos por agentes penitenciários. Assustados, parentes tentaram correr. “Eu estava segurando a sacola com as coisas que levei para meu marido quando ouvi o barulho. Veio uma multidão correndo e eu também corri”, contou uma mulher, sob anonimato.

Armas
A polícia vai investigar como os presos do Conjunto Penal tiveram acesso às armas usadas na rebelião. Segundo o secretário da Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), Nestor Duarte, houve uma falha na segurança. “Essas armas entraram de forma criminosa ou negligente. Essa é a realidade. Mas é uma exceção e vamos investigar”, comentou.

Os 17 detentos que participaram da rebelião e praticaram os crimes foram transferidos para o Presídio de Serrinha, a 68 quilômetros de Feira de Santana.

Negociação
Coube ao comandante do Policiamento na Região Leste, coronel Adelmário Xavier, fazer a negociação com os internos. “A primeira coisa que pediram foi a presença da imprensa. Então, começamos a negociar”, contou o representante da PM. Ele relatou que havia muito sangue pelo pátio, colchões espalhados e baldes de água. Segundo os presos, seriam usados se a polícia usasse bombas de gás.

Primeiro, a polícia solicitou que os detentos entregassem os feridos. Eles cumpriram o acordo e pediram a presença da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em troca das armas e entregaram dois revólveres e uma pistola. Depois, pediram representantes de entidades de Direitos Humanos, mas não entregaram os reféns e a negociação foi suspensa.

Cerca de 100 homens da PM cercaram o prédio desde o início da operação. Ainda segundo o coronel, os homens ficaram todo o tempo à vista dos rebelados. Na noite de domingo, o fornecimento de água foi interrompido no pavilhão.

Liberação
Enquanto a polícia tentava convencer os bandidos a libertar os reféns, Maria da Glória de Jesus, 64, tentava se manter de pé, do lado de fora do presídio. A filha dela, Helena Costa, era uma das reféns. “Ela saiu de casa e eu nem sabia. Foi ela quem me ligou e contou que estava no presídio. Disse para eu ficar calma”, contou. Helena, que namorava um detento, de nome Silas, foi uma das testemunhas ouvidas pela polícia ainda dentro do presídio. “Mataram ele na minha frente, mãe. Eu vi arrancarem a cabeça dele”, repetia Helena, aos prantos. Emocionadas, se abraçaram após a liberação. As primeiras reféns deixaram o local por volta das 9h50.

Sentada no meio-fio, a dona de casa Ana Paula Santos aguardava notícias do marido Juliel Pereira dos Santos, 29. “Vim para a visita e fiquei até as 22h (de domingo). Fui para casa e voltei hoje (ontem)”, contou. Ela disse que o marido foi preso há um mês, acusado de roubo. Às 9h, a mulher foi informada que o marido estava morto - uma das sete vítimas fatais do domingo - e entrou em desespero.

Ontem, a Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB na Bahia informou que irá acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos para investigar a rebelião.

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