Um dia de bolo de chocolate nas mãos e um sorriso de orelha a orelha. Só com 8 anos de idade é que Lourenzo sentiu o gostinho do que é ver um monte de crianças ao seu redor cantando parabéns. Autista, o garoto não tem amigos, logo a família nunca fez festa de aniversário, porque não tinha quem chamar de convidado. Nesse sábado, a sala da casa de Carolina e Gerson – pais de outros dois gêmeos autistas - ficou pequena para tanta alegria e também lágrimas.
A ideia toda partiu do grupo de Whatsapp PRO TEA MS (Pais e Responsáveis Organizados pelas Pessoas com Transtorno de Espectro), quando a mãe do menino pediu sugestão de qual shopping poderia levar o filho, em substituição à festa de aniversário.
"Primeiro que ela não tinha onde fazer e nem o hábito e outra dificuldade que nós, mães, temos é que sabemos que se não for pela gente... Ela sempre ia ao cinema, porque ele não tinha amigo, essa é uma das dificuldades, a gente até pode convidar, mas as crianças não vêm", explica Carolina Spínola Alves Corrêa, jornalista de 37 anos, mãe de Matheus e Thiago, gêmeos autistas de 9 anos e a anfitriã na festa de aniversário.
Junto das outras mães do grupo, Carolina propôs fazer uma festinha no Parque do Sóter e cada mãe levaria seu filho autista como convidado. "Porque assim, a gente se sente à vontade entre nós, que temos situações parecidas", diz Juliana Vasconcelos, empresária de 40 anos e mãe de Sarah, de 5 anos. O encontro num parque público também reforçaria o objetivo das mães, de que as pessoas ao redor comecem a ver as crianças autistas.
Quando o sábado amanheceu com chuva, Carolina levou a festa ao ar livre para dentro da sala de casa. Avisou todas as mães que já tinham se organizado para levar salgadinhos, doces e refrigerantes. Tanto no grupo, quanto ao vivo, a mãe de Lourenzo mal conseguia falar. O choro era de alegria pelo que mães e crianças fizeram pelo seu filho. Ele pode até não entender porque nunca teve aniversário, mas a mãe não esquece da crueldade que já viveu.
"A gente foi só uma vez em uma festa de aniversário, mas a dona falou que a gente tinha que ir embora, porque ele dava trabalho e não deixava as outras crianças brincarem. Eu prometi para mim mesma que nunca mais", desaba Kátia Amorim Figueiredo, de 36 anos. O filho tem um comportamento um pouco agressivo.
Ela e o filho moravam em Portugal quando Lourenzo nasceu e lá que ele teve o diagnóstico, ao completar 1 aninho de idade. "Ele nunca teve amigos, tem quatro anos que moramos aqui. Ele vai para a escola normal, faz dois anos que está no segundo ano, mas não lê e nem escreve. Ele não gosta de ir", conta a mãe.
O garoto já se acostumou com o programa de sempre, de ir ao shopping no aniversário e quando soube da festinha, Kátia admite que a ansiedade maior era a dela. "Eu vim para cá não acreditando ainda, que até esqueci a vela. É a primeira festa dele e acho que ele também só vai ter noção a hora que cantar os parabéns", acredita a mãe.
Lourenzo logo se enturma com os meninos e entra na brincadeira do videogame. Apesar das mães estarem unidas nos grupos, são poucas as que se conhecem pessoalmente. Os pequenos mesmos, na maioria, nunca tinham nem se visto, mas de cara souberam brincar juntos. Talvez por estarem todos se sentindo em casa, entre eles e sem olhares tortos vindos de fora.
No primeiro presente aberto, o aniversariante mal sabia o que dizer. "Já ganhei um controle remoto, um DVD e um dinossauro. Tia isso é muito caro, eu acho que juntaram muito dinheiro para comprar, mas eu mereço", diz. A resposta do garoto é explicada pela mãe. "Às vezes ele pede e a gente explica que não tem dinheiro", completa Kátia.
A festinha teve até pintura artística no rosto e nas mãos, feita por um casal de artistas plásticos, em que a jovem é irmã de um autista. Na maior paciência, Gabriela Bezerra, de 22 anos, desenha uma Peppa no bracinho da mennina Sarah. "Que cor que é a Peppa Pig? É rosinha", responde à pequena.
Até chegar à casa de Carolina, o bolo de aniversário era a única prova de que a festa iria acontecer para o aniversariante. Lourenzo veio o caminho todo segurando firme, com as duas mãozinhas, com medo de cair. De chocolate, com seu nome escrito na cobertura, ele fala que quem fez foi a Bia, a única pessoa que ele chama de "amiguinha". "Ela é na verdade minha sobrinha, prima dele", corrige a mãe. E depois dos parabéns, de soprar as velinhas, o menino autoriza feliz da vida: "todo mundo pode comer o bolo"!
Lourenzo saiu da festa chorando. Não queria ir embora de jeito nenhum, justificando que estava gostando muito de lá. "A mãe não tinha como agradecer e se ela não tivesse exposto ao grupo a necessidade dela e pedido apoio, a gente não ia poder auxiliar. Foi a partir da fala dela que achamos uma maneira de ajudar", diz Carolina. Ela, assim como as outras mães, se colocaram no lugar de Kátia.
"Se eu não tivesse a minha família, eu poderia ser como ela. Só de ver a alegria do filho Thiago, um dos gêmeos e o que tem o autismo numa forma mais severa, a mãe já abre um sorrisão. "A felicidade dele com as pessoas aqui... E ainda dizem que autista não gosta de gente e nem de barulho, mas ele adora e percebe quando a gente arruma a mesa, que vai ter festa", descreve Carolina.
Em casa, Kátia, a mãe do aniversariante dormiu e acordou chorando. "Me arrepiou, sei lá... Porque o acolhimento delas, pessoas que estão na mesma situação, têm as mesmas dificuldades. A gente acaba se fechando um pouco", confessa.
Para ela, mais importante do que ter uma festa, foi ver que o filho acordou chamando as crianças que conheceu ontem de amigos. "Ele foi dormir pensando e acordou hoje chamando ‘meu amigo, meu amigo’ e dizendo que os amigos dele vão vir em casa. Eu não tenho nem o que e nem como agradecer. A primeira festa significou muito", resume Kátia.
Agora Lourenzo já tem quem chamar para comemorar os 9 anos, em 2017. "A gente já está marcando até um churrasco, para eles terem um ambiente em que a gente pode deixa-los, que ninguém vai recriminar", acredita a mãe.
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