O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma, nesta quarta-feira, dia 06 de março, o julgamento de um recurso que discute se é crime uma pessoa portar drogas para consumo próprio. A decisão da Corte terá impacto em pelo menos 6.345 processos, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O julgamento começou em 2015 e, até o momento, foram apresentados seis votos. Já há, desde agosto de 2023, maioria no sentido de que o tribunal precisa definir um critério que diferencie o usuário do traficante.
STF forma maioria para definir critério que diferencie usuário de traficante de maconha
O placar está em 5 a 1 quanto à discussão sobre se é crime o porte de maconha para consumo pessoal. São cinco votos para entender que não há delito nesta conduta. Há um voto que diverge desse entendimento.
O caso volta à deliberação no plenário com o voto do ministro André Mendonça, que havia pedido vista do processo -- ou seja, mais tempo de análise -- em agosto do ano passado. Mais quatro ministros também votam, se não houver novo pedido de vista.
O que está em jogo
O tribunal vai decidir se é crime uma pessoa ter consigo drogas para seu próprio consumo. Além disso, deve fixar, em relação a uma ou mais substâncias, a quantidade considerada como de uso individual. A discussão não envolve o tráfico de drogas, conduta punida como crime que vai continuar sendo um delito, com pena de 5 a 20 anos de prisão.
O caso tem a chamada repercussão geral, ou seja, a decisão tomada pelo tribunal deverá ser aplicada pelas outras instâncias da Justiça em processos com o mesmo tema. Isso vai ocorrer a partir de uma espécie de guia que será elaborado pelos ministros logo após a conclusão da deliberação.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, há pelo menos 6.345 processos com casos semelhantes suspensos em instâncias inferiores da Justiça, aguardando uma decisão do tribunal.
Validade da Lei de Drogas
A Lei de Drogas, de 2006, estabelece, em seu artigo 28, que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal.
No entanto, a legislação não fixa uma pena de prisão para a conduta, mas sim punições como advertência, prestação de serviços à comunidade e aplicação de medidas educativas -- estas duas últimas, pelo prazo máximo de 5 meses.
Ou seja, embora seja um delito, a prática não leva o acusado para prisão. Os processos correm em juizados especiais criminais e a condenação não fica registrada nos antecedentes criminais.
A norma não diz quais são as substâncias classificadas como droga - essa informação é detalhada em um regulamento do Ministério da Saúde.
Além disso, determina que cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, se o entorpecente é para uso individual.
A lei de 2006 substituiu a regra que vigorava desde 1976. Na antiga Lei de Drogas, carregar o produto para uso individual era crime punido com prisão - detenção de 6 meses a dois anos, além de multa.
Diferenças entre descriminalização, despenalização e legalização
Despenalizar significa substituir uma pena de prisão, que restringe a liberdade, por punições de outra natureza, como restrições de direitos, por exemplo.
Legalizar é estabelecer uma série de leis que permitam e regulamentem uma conduta. Estas normas organizam a atividade e estabelecem suas condições e restrições -- regras de produção e venda, por exemplo.
Também define as punições para quem descumprir o que for definido. Na prática, é autorizar por meio de uma regra.
Já descriminalizar consiste em deixar de considerar uma ação como crime. Ou seja, em âmbito penal, a punição deixa de existir. Mas ainda é possível aplicar sanções administrativas ou civis, como já é previsto na legislação.
Critério de diferenciação
O Supremo não está discutindo despenalizar nem legalizar a conduta. O que está em debate é se o porte individual pode ser enquadrado como um crime, e o critério para diferenciação dessa conduta em relação ao tráfico de drogas.
No entendimento dos ministros, a despenalização já ocorreu e foi feita pelo Congresso Nacional, quando substituiu a lei de 1976 pela de 2006. Isso aconteceu porque a nova redação passou a prever sanções que não envolvem mais prender o acusado, conforme explicou o presidente do STF, Luis Roberto Barroso, em entrevista à Globo News em fevereiro.
Também não há legalização, já que a elaboração de leis e regulamentos para uma atividade é uma atribuição do Poder Legislativo.
O Supremo foi provocado a se manifestar a partir de um recurso que chegou à Corte em 2011. O caso envolve a prisão em flagrante de um homem que portava 3 gramas de maconha dentro do centro de detenção provisória de Diadema (SP).
A Defensoria Pública questionou decisão da Justiça de São Paulo, que manteve o homem preso. Entre outros pontos, a defensoria diz que a criminalização do porte individual fere o direito à liberdade e à privacidade.
Estes direitos fundamentais estão previstos na Constituição, o que faz com que o STF seja a autoridade a se pronunciar sobre o tema.
Comentários