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Tudo está permitido no Brasil?

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OS DONOS DO PODER? A imparcialidade e impessoalidade deveriam ser requisitos essenciais para todo agente público. A indicação e aprovação do advogado particular de Lula, Cristiano Zanin, para compor o Supremo Tribunal Federal (STF), nos faz lembrar a obra clássica "Os Donos do Poder", do sociólogo Raymundo Faoro (lembrei também daquele filme "O Advogado do Diabo"). O livro ressalta a importância dos laços pessoais e de uma rede de favores como determinantes na composição dos cargos de poder que formam o Estado brasileiro. Nesse contexto, a escolha de Zanin para uma posição tão importante no STF privilegia um vínculo pessoal em detrimento de uma escolha que deveria ser imparcial e objetiva, baseada nas qualificações técnicas e profissionais necessárias para o cargo. Portanto, como crer na seriedade, na justiça, na independência e na imparcialidade deste nosso judiciário? Diante dessa realidade, não é compreensível a sociedade desacreditar das instituições?

QUAL A CREDIBILIDADE? Na suprema instância da justiça de um país, deveríamos ter juízes capazes de exercer suas funções sem qualquer suspeita de favorecimento ou conflito de interesse. Afinal, o STF é responsável por garantir a Constituição e a defesa dos direitos fundamentais, e sua credibilidade depende da confiança da sociedade. Como alguém com o mínimo de bom senso e noção do que é justo pode confiar nas decisões dos ministros do STF? Do ponto de vista político, pode fazer sentido que Lula indique um aliado para um tribunal que, devido ao ativismo judicial (que não deveria existir), tornou-se um dos principais palcos da política nacional. Do ponto de vista ético, moral e legal, deveria ser condenável. "Quando as instituições permitem que um presidente indique seu próprio advogado pessoal ao STF, o Brasil se afasta do ideal de buscar verdadeira justiça e igualdade, persistindo nas práticas que perpetuam um país distante do que os brasileiros merecem." (LUAN SPERANDIO, Analista político)

MAIS DO MESMO? Uma das características mais marcantes dos governos petistas é a depredação institucional que o partido realiza quando assume o poder. Ao longo dos 13 anos e meio de sua primeira passagem pelo Planalto, isso ocorreu das mais diversas formas, do aparelhamento generalizado à corrupção escancarada. Não haveria de ser diferente neste terceiro mandato de Lula, para quem todos os poderes da República, instituições, órgãos de investigação, o que for, existem a serviço não do povo brasileiro, mas do partido e de seu líder maior. "Assim, o fato de o mesmo presidente que no passado indicou um ex-advogado do PT para a suprema corte repetir a dose, agora com seu advogado pessoal, só surpreende quem realmente quis ser surpreendido – temos, aqui, Lula sendo Lula, e nada pode ser mais previsível que isso. Triste, profundamente triste, é que a maior parte do Senado tenha se rebaixado ao mesmo nível." (Fonte: gazetadopovo.com.br)

ELES JÁ SABIAM? Em um processo que durou apenas 20 dias entre a formalização da indicação no Diário Oficial à aprovação definitiva do nome – diferentemente dos quase cinco meses que André Mendonça levou para chegar ao STF –, o Senado referendou rapidamente a indicação por ampla maioria de 58 votos. Apenas 18 parlamentares corajosos souberam dizer “não” a esse absurdo. São os proverbiais “poucos, mas bons” com quem o Brasil espera poder continuar contando. Que eles não desistam e sigam oferecendo à nação o exemplo que muitos de seus pares não souberam dar. É lamentável, mas salta aos olhos a principal razão da escolha bem sucedida, pois ninguém fez o que Zanin fez: foi ele que conseguiu a anulação das condenações de Lula, tornando-o um ficha-limpa apto a disputar e vencer a eleição de 2022. Agora, se usar uma cadeira no STF como forma de retribuição a seu advogado particular não viola frontalmente o princípio da impessoalidade (artigo 37 da Constituição), então tudo está realmente permitido no Brasil.

A HISTÓRIA SE REPETE? Infelizmente, com o petismo no poder, nada poderia ser diferente. Em 2012, às vésperas de ser julgado por lavagem de dinheiro no mensalão, o ex-deputado federal petista Paulo Rocha fez uma afirmação emblemática: “os ministros do Supremo não foram colocados lá para apenar como estão apenando”. Em outras palavras, ao menos os indicados por Lula tinham sido “colocados lá” para outra coisa – por esse raciocínio, temos o exemplo de Dias Toffoli, que não se declarou impedido de julgar antigos chefes e, mesmo quando derrotado, ajudou com seu voto a formar minorias que davam aos condenados direito ao julgamento de recursos, muitos dos quais resultaram, depois, em redução de penas ou anulação de condenações. Com Zanin, é isso que Lula pretende ter: mais um aliado fiel no Supremo. (Fonte: gazetadopovo.com.br)

TORCIDA DECLARADA? Mesmo com a crescente relativização da liberdade de expressão em nosso país, acredito que ainda podemos divagar sobre a percepção que a sociedade tem do processo político. Já escrevi em mais de uma ocasião que, na percepção de muitos cidadãos comuns (em que eu me incluo), dois atores da democracia brasileira que deveriam se caracterizar pela imparcialidade há muito se afastaram desse imperativo e deixaram claro que têm lado: a grande mídia e a Justiça. Muita gente que acompanhou com alguma atenção o processo eleitoral de 2022 formou a opinião de que a Justiça e a grande mídia torceram abertamente pela vitória de determinado candidato e a derrota do outro. Por exemplo: às vésperas do segundo turno, um ministro do STF postou em uma rede social o sambinha “Já vai tarde!”, do grupo Mania de Ser. Será que ele estava se referindo debochadamente ao ex-presidente?

A CENSURA VOLTOU? Foram dezenas as situações que fizeram com que ficasse evidente a parcialidade na forma como os dois candidatos que chegaram ao segundo turno foram tratados pela Justiça. A grande mídia se calou nesses episódios, quando não aplaudiu – como aliás aplaudiu qualquer decisão que favorecia determinado candidato e prejudicava outro. Tivemos, por exemplo, a censura prévia da exibição de um documentário até a data da eleição e a  proibição de jornalistas tratarem de determinados temas (ou mesmo que empregassem determinadas palavras, ou citassem determinados nomes, ou lembrassem determinados fatos fartamente documentados da nossa História recente). E muitas decisões de censura ainda continuam, coincidentemente, apenas para um lado político.

O QUE PARECE? E hoje temos o julgamento de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral que pede a inelegibilidade de Bolsonaro e de Walter Braga Netto, candidatos à presidência e à vice-presidência da República nas eleições de 2022. Por quê? Por uma reunião com embaixadores. E o atual presidente, pode reunir-se com ditadores? Na percepção do cidadão comum, essa reunião é apenas um pretexto para o cartão vermelho. Se não fosse este, encontrariam outro. Ou encontrarão, já que 15 outras ações correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o ex-presidente. Aparentemente, o que está prevalecendo parece que é  isso mesmo: a vontade de expulsar de qualquer maneira um jogador de campo – da mesma forma que, na campanha eleitoral, o que prevaleceu foi a vontade de derrotar de qualquer maneira o mesmo jogador. Na percepção de muitos cidadãos comuns, não é correto juízes terem lado, e não apenas no futebol.

QUAL A PERCEPÇÃO? Há motivo para a inelegibilidade? Na percepção de muitos cidadãos comuns, seguramente não há. Dilma foi cassada por crime de responsabilidade, mas continuou elegível. Lula foi condenado e preso por corrupção, ainda assim elegeu-se presidente. E tantos outros políticos, envolvidos nos mais diversos crimes, continuam elegíveis. Mas é Bolsonaro que deve ser inelegível, sem crime algum? De toda forma, de nada adiantarão os argumentos da defesa, porque, também na percepção de muitos cidadãos comuns, é "jogo jogado": todo mundo já sabe qual será o resultado, e que a grande mídia irá aplaudir. "Ao que parece, a Justiça e a grande mídia têm isso em comum: já abriram mão há muito tempo de qualquer verniz de imparcialidade. E quando se perde a credibilidade, perde-se também o respeito. Não sou eu que estou dizendo: esta é apenas a percepção de muitos cidadãos comuns." E eles estão errados? (LUCIANO TRIGO, escritor e jornalista)

INACEITÁVEL... Com Lula, as definições de "fundo do poço” estão sendo atualizadas com sucesso. Não bastasse ter uma ampla maioria de membros da Suprema Corte alinhados a si, Lula indica seu advogado pessoal para integrar o órgão máximo do nosso Judiciário. Como aceitar que a Justiça, que deveria ser isenta e, inclusive, julgará muitas questões atinentes à Presidência da República, seja aparelhada desta forma? A responsabilidade, porém, não recai apenas sobre Lula. Em uma democracia constitucional, com poderes independentes entre si, é papel do Legislativo impor os freios necessários aos desatinos dos outros Poderes. No entanto, o que vemos hoje é um Senado quase inteiramente subserviente às vontades do Executivo. O Senado da República, se fosse uma Casa cuja maioria dos seus membros se guiasse pela Constituição, barraria a indicação. Mais do que isso: o presidente da Casa de Rui Barbosa teria uma séria conversa com o presidente da República anteriormente ao envio do nome do seu indicado para demovê-lo do vexame de fazer proposta tão indecente. Infelizmente, não foi o que ocorreu. O aparelhamento petista da máquina estatal segue a todo vapor. (MARCEL VAN HATTEN, deputado federal)

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