BRASIL

União diminui recursos e construção de moradias exige mais dinheiro do FGTS de trabalhadores

Faltou dinheiro para a terceira fase do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’. Três milhões de moradias foram prometidas. Mas para sair do papel, vai entrar mais dinheiro do FGTS, patrimônio dos trabalhadores, do que do governo. O uso dos recursos do FGTS e quanto ele rende para o trabalhador divide opiniões no país. Com a crise econômica, aumentou a mordida no FGTS.

Desta vez a mordida foi bem grande. Até 2014, a maior parte do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ era bancada com recursos da União e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço entrava com 25%. Em 2015, tudo se inverteu.

O FGTS passou a bancar mais de 80% do programa. Alguns analistas apontam prejuízo para o trabalhador, mas o governo rebate.O governo prometeu as casas e disse que cumpriu a meta até agora. Mas a contratação é uma coisa, a construção e a entrega são uma outra história. Tem gente penando para pegar a tão sonhada chave da casa própria. Encontramos problemas em várias partes do país.

Em Londrina, norte do Paraná, são dois conjuntos com 1.362 unidades que deveriam ser entregues agora em março, mas só vão ficar prontas no fim do ano.

Segundo as construtoras, o ritmo das obras diminuiu porque o governo federal atrasou o repasse de verbas. Sem dinheiro em caixa, as empresas deixaram de pagar fornecedores e também cortaram pessoal. No conjunto mostrado na reportagem, no auge, havia 300 operários trabalhando. Hoje, são apenas 40.

Em Salvador, um dos casos mais complicados é o de um conjunto do “Minha Casa, Minha Vida” com 334 apartamentos para famílias com padrão de renda mais alto.

O conjunto começou a ser construído em 2008 e para ser entregue em 2011, mas a construtora responsável desistiu alegando dificuldades financeiras, e há quatro anos as obras estão paradas. Em nota, a Caixa disse que a obra não vai ser retomada e que está negociando indenização com quem fez financiamento. O valor oferecido é de R$ 25 mil. A administradora Hirlane Cruz não aceitou:

"Tiveram pessoas que botaram R$ 70 mil, R$ 100 mil, tiveram pessoas que quitaram aquele imóvel. Como é que vai receber R$ 25 mil?", questiona Hirlane.

Em Dumont (SP), a prefeitura fez um sorteio de lotes em 2010 e entre os moradores que ganharam esses terrenos, 39 teriam as casas construídas pelo governo federal através do programa ‘Minha Casa, Minha Vida”. O problema é que a obra demorou dois anos para começar.

Depois que começou foi abandonada. São casas que, na reportagem, a gente vê no meio do mato. Quem construiu por conta própria já está morando no local há muito tempo. É o caso do dono de uma das casas, mas não é o caso do eletricista Igor Rosa, um dos contemplados, que está só esperando. "Exatamente, com as obras totalmente abandonadas e os contemplados tendo que pagar aluguel’, queixa-se.

Já a terceira fase do programa “Minha Casa, Minha Vida” ainda está toda no papel. Chegou a ser anunciada em setembro, meses depois do que estava programado. Mas até agora as regras não foram divulgadas e não tem como fazer inscrição. O que se sabe é que, quando sair, quem tiver renda entre R$ 1,6 mil e R$ 2,35 mil por mês, vai poder se inscrever.

Outra certeza é que a maior parte do dinheiro para bancar o programa, que é do governo, virá do FGTS, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Com isso, o governo consegue uma folga no caixa às custas do fundo, que é do trabalhador.

De 2009, quando o programa começou, até 2014, a União bancou R$ 90 bilhões do “Minha Casa, Minha Vida” e o FGTS, R$ 34 bilhões. No ano passado, com a crise, inverteu tudo. Do FGTS vieram R$ 9 bilhões e da União, R$ 1,8 bilhão. Em 2016, a previsão, até agora, é que o FGTS coloque mais que o dobro de dinheiro que a União. Os números não estão fechados.

Para o economista Eduardo Zylberstajn, não é justo o governo usar dinheiro do FGTS no programa.

“Esse dinheiro, se fosse aplicado no mercado financeiro, um investimento de pouco risco, iria render algo como 14% ou 15% no ano. Esse ano, ele rendeu os 3% mais a TR, arredondando vai dar aí algo como 5%, então tem um diferencial de 10%, ou de 10 pontos percentuais, que o trabalhador deixou de ganhar que ele poderia ter ganho, então o trabalhador que tem R$ 5 mil no fundo, poderia ter, esse ano, R$ 500 a mais, que ele não tem porque esse recurso foi investido em aplicações pré-definidas com retorno bastante baixo.

O governo justifica que essa parte do FGTS, que é usada e que não volta para o fundo, é um dinheiro que vem do lucro, que por lei, o rendimento do fundo é fixo, sendo que o excedente não pode mesmo ser divido com o trabalhador. Para isso acontecer, seria preciso mudar a legislação

“Não há prejuízo nenhum porque ele recebe exatamente o que a lei estabelece e esse excedente, o fundo já adota essa política desde o final da década de 90, de pegar parte desse lucro excedente e voltar para a produção de imóveis, para auxiliar aquelas famílias que não teriam condições em si mesmas de obterem recursos para um financiamento habitacional, afirma o secretário-executivo do Fundo Curador do FGTS, Quênio Cerqueira. O secretário-executivo do Fundo Curador do FGTS disse ainda que há projetos em discussão no Congresso para permitir investimento no mercado financeiro a fim de aumentar o lucro dos trabalhadores.

Em nota, a Caixa Econômica Federal esclareceu que as obras em Londrina foram reprogramadas a pedido das próprias construtoras, mas não explicou o motivo do atraso nos repasses.

Sobre a demora na entrega das casas em Dumont (SP), o Ministério das Cidades disse que uma nova empreiteira vai ser contratada para terminar as casas até março deste ano.

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