Comportamento

A gente deposita confiança nas pessoas sem conhecê-las ou achando que as conhecemos o suficiente

Vídeo feito em fevereiro, porém viralizado esta semana, mostra o líder religioso Dalai Lama beijando a boca de uma criança e pedindo para que ela chupe sua língua. Eu nem precisei colocar a gravação aqui, só descrevi o ocorrido e aposto que foi suficiente para você sentir repulsa, certo?

Pois é, mas se parar para puxar na memória também aposto que não é preciso cruzar o oceano para se deparar com um “velho” tido como sábio que nas entrelinhas abusa de quem respeita a arcaica hierarquia que insistimos em manter simplesmente por se tratar de pessoas de mais idade.

Te explico. Quantas vezes a gente submete a criança, desde bebês, a irem no colo de tios, avôs, vizinhos, amigos da família, conhecidos, mesmo quando nossos pequenos não querem? “Dá um beijo no titio senão ele vai ficar triste”, repetimos com receio de a criança passar por mal educada. "Filho, pede bênção pros mais velhos", insistimos ainda acreditando que familiares são sinônimos de respeito, carinho, conforto.

Veja bem não tô dizendo que todos são abusadores, mas sim que a gente pacifica que vale mais o sentimento do adulto do que a vontade da criança pelo simples fato de que se deve respeitar os mais antigos.

Nosso conceito de respeito, vide o que aconteceu com o garoto e o Dalai Lama, é submeter menores às vontades dos adultos. A gente deposita confiança nas pessoas sem conhecê-las ou achando que as conhecemos o suficiente.

Abra aí o noticiário, pode abrir agora, tenho certeza de que pelo menos uma notícia, mesmo que seja a nível nacional, será de algum avô, tio, padrasto e até mesmo pai que abusou do filho dentro da própria casa. No Brasil, no primeiro semestre de 2022, 80% dos casos registrados como abuso contra crianças e adolescentes ocorreram em casa, segundo levantamento feito pelo então Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Isso porque são do mesmo sangue: abusador e vítima. Agora imagina alguém que sequer tem laços sanguíneos... No caso que puxou está discussão em específico, trata-se de líder religioso que, despido da santidade que lhe foi colocada, nada mais é que um homem. Por que, a exemplo de João de Deus e inúmeros casos de pastores, padres, gurus, ainda insistimos nesse modelo ultrapassado de fé? São seres humanos, falhos.

Erramos ainda em outros cenários como todo Natal. A gente parte do pressuposto de que o homem que foi contratado para se vestir de Papai Noel de fato seja o bom velhinho. Formamos filas enormes nos centros comerciais para SENTAR nossos filhos no colo de alguém que jamais vimos na vida!

Muitas vezes contra a vontade da criança, tão somente para “registrar” aquele momento, tomados pelo espírito de fim de ano. Cá entre nós, cê acha que seu filho vai querer se lembrar do dia que foi obrigado a sentar chorando no colo de um total desconhecido?

É hora de descer do pedestal qualquer ser humano. Ninguém, absolutamente ninguém está acima de qualquer suspeita e quando se trata de criança, seres fragilizados e que dependem de adultos para sobreviver, a questão é infinitamente mais complexa. Resguardem suas crianças! Santo mesmo é ter uma infância livre de qualquer tipo de abuso.

Jéssica Benitez é jornalista, mãe do Caetano e da Maria Cecília e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae

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