fonte: Repóter MT/ALINE FRANCISCO
"Lembre-se de que você sempre estará em condições mais favoráveis que milhões de pessoas e, de posse dessa causa, faça valer à pena ter vivido”. Esse é o lema que rege a vida do advogado e importador de aeronaves, Jackson Wesley Valerio, que viu a vida passar diante dos olhos durante um acidente na Rodovia Emanuel Pinheiro, sentido Cuiabá – Chapada dos Guimarães, no dia 01 de junho de 2002.
Jackson seguia junto com um grupo de motociclistas para Chapada dos Guimarães, mas ao tentar fazer uma ultrapassagem arriscada, chocou-se de frente com um caminhão carregado que, com o impacto, capotou..Jackson teve inúmeras fraturas e, ao acordar, 21 dias após o acidente, se deparou com uma nova realidade: sua perna esquerda havia sido amputada e o braço esquerdo também estava com o movimento prejudicado.
Mesmo com todas as adversidades, Jackson estava feliz por estar vivo. “Nunca chorei, me revoltei ou me desesperei. Ao contrário, no final de 2002 até fiz uma ‘Carta de Despedida’ bem humorada para minha perna”, declarou.
Depois de toda a experiência Jackson começou a escrever o livro ‘Quando a Vida Faz Uma Curva’, um livro que mostra uma forma diferente de encarar situações adversas. O RepórterMT conversou com Jackson sobre assunto. Confira os principais trechos da entrevista.
Repórter MT – Como te contaram sobre o acidente? E como foi a recuperação?
Jackson - Me disseram que, numa curva, bati de frente com um caminhão carregado com 10 toneladas de terra e fui arremessado seis metros para trás. Meu capacete partiu ao meio, a moto teve perda total (partiu o motor, entortou o eixo cardã) e o caminhão capotou, parando com as rodas para cima. No impacto, quebrei doze ossos, sendo quatro fraturas expostas na perna esquerda, dois traumatismos cranioencefálicos e fratura e luxação do braço esquerdo.
Também rompi as artérias subclávia (braço), femural e tibial, que irrigavam minha perna esquerda, e todos os nervos do plexo braquial, na raiz das vértebras C5, C6, C7, C8 e T1. Cheguei ao Pronto Socorro com frequência cardíaca 40 (média de um batimento a cada 1,5 segundo) e choque hipovolêmico (minha pressão desceu a 2x0).
Devido à hemorragia interna, gastei 70 bolsas de sangue em um dia e fui transferido para o hospital, onde recebi 16 pinos no braço e também imobilizaram meu fêmur com um fixador externo e seis parafusos. Naquela primeira semana, tive 2,5 litros de derrame pleural (“água” no pulmão), insuficiência renal (rins trabalhando a 30%) e choque séptico (infecção generalizada).
O primeiro boletim médico me dava apenas 20% de chances de sobreviver, e meu quadro clínico ficava oscilando entre grave e gravíssimo, sendo mantido vivo com seis máquinas ligadas a mim. Então fui removido para São Paulo de UTI do Ar, diretamente para o Sírio-Libanês, onde era “atração”: todos os médicos admiravam como eu podia continuar vivo naquela condição.
Tentavam salvar minha perna enxertando músculos do meu abdômen, pois o relatório médico dizia “exposição total da tíbia, com grande perda de partes moles”. Mas quando minha perna começou a trombosar e os médicos não viam mais chances de recuperá-la, fui amputado e então meu quadro clínico melhorou, voltando de um coma de três semanas, oito paradas cardiorrespiratórias e dezesseis cirurgias, me deixando com 2,28 metros de cicatrizes.
Repórter MT – Como você reagiu quando acordou e viu a sua perna amputada?
Jackson - Logo que acordei, vi que minha perna terminava em um curativo enorme abaixo do joelho e, como estava entubado, sem poder falar, fiz sinais para uma enfermeira próxima, dizendo que não estava vendo meu pé esquerdo. Ela respondeu na maior naturalidade que “não teve jeito, mas se eu comprasse uma prótese, poderia até usar sapatos” (risos...).
Ainda meio zonzo, pensei: “Ah..., mas depois cresce um pé de novo...”, e depois fui entender que no meu caso era amputar ou morrer.
Acredito que, se eu tivesse por sequelas, apenas, a amputação ou a perda dos movimentos do braço seria alguém depressivo, mas depois de me contarem tudo o que aconteceu e o quanto cheguei próximo da morte, fico é muito feliz de saber que, mesmo sendo o paciente mais grave, fui o único a sobreviver nas UTIs, durante aquelas três semanas de coma.
Enfim, nunca chorei, me revoltei ou me desesperei.
Repórter MT – Como surgiu a oportunidade de colocar a prótese na perna?
Jackson - No Hospital das Clínicas, onde fiz a cirurgia do plexo braquial, certo dia recebi a visita inesperada de um médico de cabelos brancos e espírito jovem, e até hoje não sei como o indicaram.
O Dr. Marco Guedes conversou comigo, contou ter cuidado da reabilitacão do Lars Grael e isso me deu muita segurança. Quando me mostrou sua prótese e disse que com ela jogava tênis, então me animei de vez e comecei os trabalhos de reabilitação.
Em 30 de abril de 2003 saí andando da clínica e, sempre que posso, volto para ver a equipe, fazer amizades com outros pacientes e procurar ajudar como exemplo, da mesma forma que o Dr. Marco fez comigo. Isso é muito importante.
Repórter MT – Qual a experiência que você leva desse trágico acidente?
Jackson - Uma vez que entendi a necessidade de ser paciente e aceitar que preciso calçar a prótese para alcançar qualquer coisa distante de mim mais que um passo, passei a meditar nisso como uma metáfora para alcançar minhas metas. Meu maior crescimento foi aprender a dosar minha energia com a agilidade menor de agora.
Procuro encarar cada dia como uma maravilhosa “hora extra” que Deus me concedeu para buscar diminuir meus defeitos, cultivar minhas virtudes, aproximar-me mais da família e valorizar a vida, afinal não era para ter vivido nada do que acontece e ainda vai acontecer.
Repórter MT – Você era funcionário público e havia sido aprovado em primeiro lugar na fase objetiva para o cargo de Promotor do Ministério Público aqui no seu Estado. Por que decidiu deixar uma carreira que é considerada estável, para se tornar importador de aeronaves?
Jackson - Deixei o concurso para seguir minha intuição profissional, ao invés de ter segurança financeira. Fui paraquedista, gosto de aeronaves e vi surgir o Porto Seco de Cuiabá, que proporciona trabalhar com redução de impostos na importação de aeronaves, sendo o menor orçamento do Brasil. Aí, somado com minha personalidade, que fica desconfortável com rotinas e adora desafios, foi um pulo.
Repórter MT – Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Jackson - No final de 2002 fiz uma “carta de despedida” bem humorada para minha perna, e então pensei: sou o testemunho vivo de um milagre.
Não perco a oportunidade de contar a minha experiência e sempre que posso estou de bermudas, seja no shopping, no centro da cidade, na igreja e até na balada.
Pode ser que eu cruze com um desconhecido e, se ele estiver amargo com a vida, quem sabe não reflita ao ver um cara de 37 anos sem uma perna e com um braço inerte numa tipóia? Tenho meus pais e irmãs, amigos de verdade e um Deus misericordioso, que me livrou da morte.
Tenho que compartilhar isso com as pessoas. E então passei 10 anos escrevendo, emendando, encurtando e registrando minha evolução até o tempo presente. SERVIÇO - O lançamento do livro “Quando a Vida Faz Uma Curva” será no dia 16 de maio, às 19h, na sede da AMAM.
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