Iniciada há nove dias, a greve dos caminhoneiros, que pararam e interditaram estradas Brasil afora contra sucessivas altas do diesel, segue por rumos incertos. Ao menos em Mato Grosso do Sul, já que caminhoneiros nos pontos de bloqueio afirmam não reconhecer lideranças que assinaram acordo com o Governo Federal.
Em razão disso, já há relatos de intimidação e ameaças nos espaços de manifestação e é difícil quem fale abertamente que é favor de abandonar a paralisação. Até mesmo o Sindicam (Sindicato dos Caminhoneiros de Mato Grosso do Sul), que estaria alinhado à AbCam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros) – que assinou o acordo com o governo -, afirma que a paralisação da categoria deve continuar normalmente.
“Pelo menos aqui, em MS, o movimento preferiu continuar parado. Os integrantes acham que o governo não está sendo honesto e que na redução de 46 centavos anunciada nas refinarias, talvez nem metade chegue nas bombas nos postos de combustível”, comenta Roberto Sinai, integrante do Sindicam-MS.
Durante os 9 dias de protestos, ficou cristalizada a percepção de que a greve dos caminhoneiros tem vários senhores. De motoristas de caminhão autônomos a caminhoneiros empregados em pequenas e grandes empresas, a fragmentação do movimento revela cartas de reivindicações diversas, o que pode explicar porque a greve não chega ao fim, mesmo com o acordo entre lideranças e Governo Federal.
A propósito, a palavra greve é rechaçada em todos os espaços visitados pela reportagem, mas não há, por parte dos manifestantes, clareza do porquê. Por outro lado, as frases de apoio à “intervenção” militar e à renúncia do presidente Michel Temer tomam conta de faixas e dos para-brisas sem muita discrição – segundo a AbCam, intervencionistas teriam cooptado as manifestações para fazer oposição ao governo.
“Não tem grevista aqui. Estamos paralisados, é esse o nome. Não tem líder e todo mundo fala por todo mundo”, comenta o caminhoneiro Ademir Junior, que está num ponto de manifestação no posto Caravagio, na BR-163, desde a terça-feira (22). “Se fosse só pelo diesel, a gente já voltava a trabalhar. Se fosse só pelos caminhoneiros, a gente já teria conseguido o que quer. Queremos a redução dos impostos. Não é só pelos caminhoneiros”, comenta.
A poucos metros, próximo a uma faixa com os dizeres “intervenção militar já”, outros caminhoneiros não querem dar nomes, mas falam que a redução do combustível não é suficiente.
“Os pedágios são muito caros, cobram da gente até eixo erguido. Queremos que a categoria seja realmente beneficiada, somos muito explorados”, comenta um manifestante que parou no posto na segunda-feira (21) à tarde.
Em Mato Grosso do Sul, de acordo com a PRF (Polícia Rodoviária Federeal), havia até a noite da segunda-feira (28) seis pontos de bloqueio, no qual caminhoneiros só passam por escolta. Mas os motoristas estariam paralisados em pelo menos ouros 35 pontos de rodovias federais.
Em quase todos, é possível encontrar caminhoneiros que divergem sobre a decisão de permanecer parado. As denúncias surgem de forma velada. Segundo eles, o movimento não é democrático e quem afirma que vai abandonar a paralisação, sofre com ameaças.
“Não tem liberdade de ir e vir, como eles falam. Tanto é que você vê caminhão de remédio e de combustível sendo escoltado pela PM, não é? Se houvesse essa liberdade que eles dizem que tem, eu ia seguir em frente. Mas, é só sair qualquer um que eles correm atrás, seja de carro ou de caminhão, e mandam parar. Teve até gente armada fazendo ameaça”, relata um caminhoneiro que preferiu não ser identificado.
Em outro grupo, um caminhoneiro também afirma que paralisou sob ameaças de ter o veículo vandalizado. “Não faz sentido eu estar aqui. Se a greve é dos autônomos, os autônomos que parassem. Eu não coloco um litro de combustível no meu caminhão, porque eu trabalho para uma empresa, ganho salário e comissão. Não que eu ache normal o preço, mas por que eu vou brigar por diesel?”, comenta.
E tem também quem afirme que a visão dos manifestantes é limitada. “Não consigo entender, pois estou num lugar que tem água, comida, tem até churrasco. Mas, minha senhora está em casa e não consegue comprar um tomate para dar de comer pros meus filhos. Não acho que isso esteja certo”, conclui.
Apesar da negativa de parte da categoria retomar a normalidade, a expectativa da AbCam é que nesta terça-feira a desmobilização da categoria seja percebida com mais intensidade.
“O nível da adesão [à desmobilização] está aumentando gradativamente. Estou aguardando posição do grupo que está fazendo o levantamento. Apesar de ainda não termos um número exato [sobre o total de caminhoneiros que já se desmobilizaram], dá para dizer que de 70% a 80 % já levantaram acampamento”, disse José da Fonseca Lopes, presidente da AbCam, à Agência Brasil.
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