O Conselho Municipal de Saúde vai pedir esta semana a interdição do Pronto Socorro do Hospital da Vida. A medida é resultado de uma “devassa” nos hospitais públicos de Dourados que, segundo o Conselho, revelou sistema desumano para pacientes e profissionais que atuam principalmente no Hospital da Vida.
De acordo com relatório do Conselho, o Pronto Socorro do HV, que tem capacidade para atender cerca de 10 pacientes, estava na última sexta-feira, com 29. O local já teria chegado a atender 35 pacientes num só dia. Ontem, três famílias de pacientes clamavam por socorro em frente ao hospital. Não havia vagas de UTI.
A Defensoria Pública e o Conselho Municipal de Saúde estavam intervindo junto aos hospitais para garantir o direito dos pacientes. De acordo com a presidente do Conselho, Berenice de Oliveira Machado, até a última sexta-feira, 102 pacientes estavam internados no HV. Destes, 29 no Pronto Socorro e outros 10 no corredor e 4 aguardavam vaga na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
O hospital conta com um total de 74 leitos entre UTI e enfermaria. O PS, segundo ela, se tornou espaço inadequado, porque com tantos pacientes, os profissionais tiveram que improvisar a forma de atendimento, que é precário.
“Há um risco grave de infecções cruzadas já que pacientes pós cirúrgicos ou com fraturas expostas estão em contato com pacientes com pneumonia, suspeitas de tuberculose, influenza entre outras doenças infecciosas.
O risco é que um paciente que chega com uma fratura possa pegar uma infecção que pode levar à morte. Além disso, os profissionais como médicos e enfermeiros, têm muita dificuldade para atender de forma adequada os pacientes. Muitos não conseguem nem andar pelo pronto socorro devida à forte demanda de pacientes”, destaca, observando que o Pronto Socorro se tornou verdadeiro “cubículo” lotado de pacientes que precisam ser interditados de forma emergencial pelo MP ou pela Vigilância Sanitária, que já foi comunicada sobre o problema.
Segundo Berenice, o pedido de intervenção também tem como objetivo acabar com os transtornos causados pela superlotação. Segundo ela, este fator desencadeia uma série de outros problemas como a reclamação de mau atendimento, sofrimento de pacientes e mortes. Para ela, o município precisa destinar os pacientes para um local adequado, ao invés de deixá-los pelo corredores e nos cantos do Pronto Socorro, onde nem mesmo os profissionais conseguem mais atuar.
“O município precisa comprar leitos de hospitais particulares para atender a demanda conforme determina decisão judicial recentemente publicada. Outra medida de urgência poderia ser a ativação da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), que está com a estrutura pronta desde o ano passado, mas o prédio está com as portas fechadas”, sugere.
Berenice diz que há um outro problema grave que diz respeito a “ruídos” na comunicação entre os hospitais. Segundo ela, muitos pedidos de vaga de UTI estão sendo solicitados do HV para o Hospital Universitário para atendimentos que o HU não está contratualizado com o município. É óbvio que o Hospital vai fazer a negativa de vaga nessas situações.
O Hospital se retaguarda ao da Vida e o Evangélico vem atendendo com 10 leitos de UTI através do convênio com o SUS. Não há um cuidado, hoje, para se separar os pedidos de vagas para o que é de atribuição do HU para o HE. Um exemplo muito claro disso são pacientes com pneumonia, por exemplo, que poderiam ser encaminhados para o Hospital Universitário, mas que estão internados no Hospital da Vida tirando a vaga dos pacientes em situação de emergência e que acabam não conseguindo o leito no HU também pelo fato de muitas vezes não ser o caso de encaminhamento para o HU”, lamenta.
A presidente do Conselho acredita que a gestão das UTIs deve ser repensada. “Há situação em que o HU chega a não entender o que de fato o HV está solicitando. A negativa chega três a quatro horas depois, quando pacientes que precisariam ser atendidos com urgência e ficam nos corredores aguardando alguma vaga”, lamenta, observando que mais do que nunca é preciso se organizar o fluxo de pacientes.
Segundo ela, a superlotação do HV também está relacionada à Atenção Básica, que não estaria funcionando plenamente nos bairros. “Pacientes que poderiam estar nos postos de saúde do seu bairro, também estão internados no Hospital da Vida, tirando leito das emergências a serem cumpridas pelo HV. É preciso uma mudança brusca e emergencial para se fazer cumprir o papel das unidades Básicas de Saúde para tirar do Hospital da Vida toda esta responsabilidade”, destaca.
Além das mortes de pacientes que não tiveram a chance de ser atendidos em uma UTI, dado que está sendo levantado pelo Conselho, a presidente destaca o sofrimento de pacientes que, sem leito, estão internados em macas pelos corredores. “Ontem um senhor de 82 anos com feridas graves pelo corpo e pneumonia estava numa maca em corredor do Hospital da Vida. Ele estava lá há seis dias à espera de uma UTI. O paciente estava tão debilitado que não conseguia se movimentar”, lamenta.
Déficit
A cidade de Dourados está com as vagas esgotadas na Unidade de Tratamento Intensiva (UTI). De acordo com relatório do Ministério Público Estadual, o déficit é de 70 vagas para atender toda a região. Apesar de uma decisão judicial que obriga o município a fornecer leitos comuns e de UTI para todos os pacientes, eles ainda são facilmente encontrados nos corredores do Hospital da Vida. Na última sexta-feira, quatro pacientes em estado grave e que necessitavam de leitos de UTI estavam na fila.
Reunião
Por causa da crise na saúde, o Conselho convocou reunião emergencial para amanhã (13) entre os gestores do Hospital Universitário, Hospital da Vida, Hospital Evangélico e comissões do Conselho Municipal. Em pauta está a definição de competência, diagnóstico, fluxo e organização dos serviços na transparência e recebimento de pacientes, além de leitos de UTI e leitos de enfermaria. O encontro também deverá contar com a presença de representantes do Ministério Público.
Desespero
Famílias de três pacientes em estado grave clamaram por socorro em frente ao Hospital da Vida, na tarde de ontem, já que não havia vagas de UTI em nenhum hospital público de Dourados. De acordo com o conselheiro da Saúde, Valdir Telles, o Hospital Universitário estava com as vagas lotadas, mas pelo menos duas vagas estavam disponíveis no Hospital Evangélico, que negou os leitos, alegando que nos casos solicitados não era atribuição do Evangélico atender.
“Em casos de extrema urgência o Hospital pode sim atender. Outro motivo é que, como é um hospital filantrópico, teria que disponibilizar vagas gratuitas para a população, mas não estamos constatando isso. Pelo contrário, temos uma denúncia que será apurada de que o hospital cobrou consultas e exames de um paciente que gastou mais de R$ 1 mil para só então destiná-lo para o Hospital da Vida, já que a família não poderia pagar”, conta. Para ele, existe um jogo de empurra nos hospitais. “Um passa o fax, demora horas para o outro hospital responder e quando responde, nega a vaga. Enquanto isso o paciente está sofrendo, muitas vezes morre sem a chance de ir para uma UTI”, destaca.
Foi o que teria acontecido com Maria Valdecir da Silva. Ela procurou o hospital para internar o pai de 102 anos. “Depois que fizemos muitos exames e gastamos mais de R$ 1 mil o hospital pediu R$ 50 mil para a internação. Como não poderia pagar, eles encaminharam para o Hospital da Vida. Mesmo com duas vagas disponíveis o HE nega leito. O meu pai está numa maca se debatendo e pode cair a qualquer momento. Trata-se de um idoso em que o Hospital da Vida já nos informou que ele não tem preferência por atendimento, já que devido à idade, ele teria menos chance de sobreviver. Se chegar um jovem e haver uma vaga, eles internam, e meu pai fica sofrendo. Tratamento desumano e vergonhoso”, critica.
Natalia Bernagoci recorreu à Defensoria Pública, mas mesmo com mandado judicial nas mãos não conseguiu (até às 14h30 de ontem) vaga para o marido Geomar Rosário de Oliveira, de 42 anos. Ele sofreu uma queda na sexta-feira e está com traumatismo craniano. “O quadro dele é urgente já que ele sangra muito pelo ouvido. Uma das enfermeiras me disse que eu tinha que rezar para que alguém morresse para sobrar vaga para o meu esposo”, disse, acrescentando que somente depois da intervenção da Defensoria é que o marido foi medicado.
“O que estão fazendo com meu marido é crime de desobediência a uma ordem judicial. Mas mesmo assim ninguém se move, ninguém faz nada para resolver. A cada minuto que passa pode aparecer uma sequela no corpo do meu esposo. Pode custar até a vida dele. Os pacientes estão morrendo à míngua, sem direito a um leito de UTI em Dourados. Nunca fui tão humilhada”, desabafa.
do Dourados Agora
Outro lado
O secretário de Saúde do Município de Dourados, Sebastião Nogueira, anuncia medidas emergências que prometem desafogar o Hospital da Vida e que poderão ser refletidas no Pronto Socorro. A primeira ação é a implantação ainda nesta semana de 20 novos leitos no Hospital da Vida.
A medida será possível através de um remanejamento no espaço que estaria sendo mal utilizado no Hospital. Outra ação da Secretaria para desafogar o Hospital da Vida é que o município fez convênio com o Hospital Municipal de Fátima do Sul, o que garantiu mais 20 leitos de retaguarda.
“Estes novos leitos e o atendimento no hospital em Fátima do Sul são de altíssima qualidade e serão destinados principalmente para pacientes da região, que serão encaminhados pelo Hospital da Vida”, pontua. Outra intervenção urgente é a implantação de gestores de leitos nos hospitais que poderão controlar as vagas disponíveis e ajudar para que o paciente seja encaminhado para o hospital que tenha a vaga disponível. “Vai melhorar a comunicação entre os hospitais e garantir que o paciente seja atendido de forma mais rápida”, destacou.
Sebastião Nogueira também aposta na reforma e ampliação do Hospital da Vida para desafogar a demanda. Depois de 6 anos de burocracia, o município poderá fazer a ampliação do hospital, tendo em vista que o Ministério da Saúde pôs fim aos impasses.
No entanto, o projeto deverá ser reformulado principalmente na planilha orçamentária, que passará a custar R$ 1,2 milhão a mais do que o estimado em 2007.
Até agora, o Hospital já tem recursos garantidos de R$ 2,2 milhões viabilizados pelo deputado federal Geraldo Resende. A expectativa é de que o restante dos recursos ou ainda novos investimentos estejam incluídos no programa MS Forte II a ser lançado pelo Governo do Estado.
Nogueira disse ainda que já está reforçando a Atenção Básica com o objetivo de desafogar os atendimentos no Hospital da Vida. “Muitos pacientes que estão no HV poderiam estar sendo atendidos nas Unidades Básicas de Saúde. Para isto estamos contratando mais médicos e buscando eliminar qualquer dificuldade existente no atendimento dos postos de saúde”, destaca, observando que, atualmente, cinco unidades estariam sem médicos interessados em atuar na rede pública.
O secretário diz que com estas medidas haverá um salto de qualidade no atendimento o que descarta qualquer motivo para interdição. “Resolver a problemática do Hospital da Vida é a nossa prioridade e estamos trabalhando dia e noite para que isto aconteça”, finaliza o secretário.
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