As disputa de três facções, duas brasileiras e uma paraguaia, por territórios de drogas na fronteira entre Brasil e Paraguai tem aumentado o número de homicídios em Mato Grosso do Sul, segundo dados da Secretaria do Estado de Segurança Pública (Sejusp).*
Em Ponta Porã, município a 326 quilômetros da capital sul-mato-grossense e vizinha de Pedro Juam Caballero, do lado paraguaio, se mata mais, proporcionalmente falando, do que em grandes centros do país. Em média, são 48 homicídios para cada 100 mil habitantes.
No Rio de Janeiro, por exemplo, a média é de 21 homicídio por 100 mil habitantes e, em São Paulo, o número cai para nove.
Mas há cidades em que a situação é ainda pior. Em Coronel Sapucaia, outro município sul-mato-grossense que faz fronteira com o Paraguai, o índice chega a 95 assassinatos por 100 mil habitantes.
Segundo o delegado Clemir Vieira Júnior, os números refletem a mudança de comportamento do traficante brasileiro em querer dominar a produção da droga no Paraguai.
"Isso é o que está sendo levantado e a realidade é essa: aquele que apenas comprava a droga do fornecedor, ele quer ser o fornecedor. Envolve uma disputa por território, disputa por poder, e pelo domínio dessa distribuição", afirmou o delegado.
Um dos traficantes envolvidos nessa guerra foi um brasileiro a serviço de uma facção paraguaia, assassinado em uma emboscada há um ano. Jorge Rafaat era considerado o Rei do Tráfico na região de Pedro Juan Caballero. Condenado no Brasil, ele fugiu para o país vizinho, onde comandava os traficantes da fronteira.
As investigações apontam que Rafaat foi morto a mando de uma quadrilha brasileira. Os bandidos usaram uma metralhadora .50, capaz de derrubar até avião. Em uma escuta telefônica, autorizada pela Justiça, traficantes dizem que Jorge Rafaat morreu porque não queria dividir o poder na fronteira.
Traficante 1: mas qual foi daquele cara aí, tio?
Traficante 2: era contra pô. Ali era ditador.
Traficante 1: era ditador?
Traficante 2: vixe, rapaz, era perigoso demais.
O serviço de inteligência da Polícia Federal estima que cerca de 300 traficantes brasileiros se mudaram para a fronteira. Alguns, mesmo presos, continuam comandando o crime.
Um deles é traficante Francivaldo Rodrigues, conhecido como Pantaneiro, é uma espécie de juiz de uma das facções que disputam o controle na região. Ele determina as penas para os bandidos que descumprem as regras.
Uma gravação mostra o Pantaneiro autorizando uma execução.
Traficante: ontem foi descoberto que a droga do Sena foi desviada para uma pessoa, entendeu, padrinho? Então nós estamos pedindo. Estamos pedindo, não. Ele já se encontra excluído e vai pagar com sangue, tá padrinho? Tudo bem?
Pantaneiro: tranquilo, dá mangueira. Acho que independente de qualquer coisa, o correto tem que ser o correto, entendeu mano?
A guerra entre as facções custa caro e as quadrilhas cometem crimes nos países vizinhos para conseguir dinheiro. Em abril, bandidos brasileiros praticaram o maior assalto da história do Paraguai e explodiram a sede de uma transportadora de valores para roubar US$ 12 milhões.
Produção
Em uma plantação de maconha em Pedro Juan Caballero, a menos de três quilômetros da fronteira, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) fez imagens aéreas de clareiras no meio da mata nativa onde os traficantes prensam e embalam a droga.
A rede do tráfico internacional mantém vigias na área de fronteira para monitorar a polícia. No celular de um traficante preso, a PRF encontrou mensagens enviadas para os chefes de uma facção criminosa do Rio de Janeiro.
Traficante 1: a fazenda é atrás do pior posto policial da fronteira.
Traficante 2: já que você saiu da fazenda, tem que tomar mais cuidado ainda, porque é enfiado na curva, não passa batido, não.
Combate
A BR-463 nasce no Paraguai, passa por Mato Grosso do Sul e se liga a outras rodovias que levam aos principais centros: São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Assim, o estado é considerado uma das principais rotas de droga do país. Todos os dias é apreendida quase uma 1,5 tonelada de drogas.
O juiz federal Odilon de Oliveira já condenou centenas de traficantes da fronteira e na avaliação dele o Brasil é omisso com as fronteiras.
"A maior facção do Brasil, que todo mundo conhece, já está nessa fronteira há pelo menos 15 anos, matando, disputando território, disputando o mercado das drogas, praticando contrabando de armas, negociando com as Farc, praticando sequestros, praticando toda a natureza de crimes econômicos. Então essa disputa na fronteira, entre essas facções criminosas e entre cada facção e organizações criminosas internas, isto é uma realidade e o Brasil não pode esconder isso debaixo do tapete", afirmou o magistrado.
Metade da droga apreendida em território brasileiro cai nas mãos da Polícia Rodoviária Federal. A PRF tem em todo o país 10 mil agentes para fiscalizar 70 mil quilômetros de estradas. Pouco mais de 1,3 mil agentes patrulham os 17 mil quilômetros de fronteira do país. Em Mato Grosso do Sul, são 400 policiais.
"Aqui é um local em que os problemas são superlativos e as soluções também tem que ser superlativas", disse Diego Brandão, porta-voz da PRF.
O secretário de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul José Carlos Barbosa afirma que além do custo das polícias, o estado tem o gasto com a população carcerária que é o dobro da média nacional.
"A proteção de fronteira, ela pertence ao governo federal. No caso do Brasil, o governo federal se comporta como se essa questão a ele não pertencesse", disse o secretário estadual.
O combate ao tráfico busca ainda a ajuda da tecnologia. A maior aposta brasileira é o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). Tudo o que acontece é transmitido por câmeras e sinais de radar para cinco salas de controle, onde ficam policiais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e até do Ibama.
"A gente está usando tecnologia do Exército, do Sisfron, pra passar dados, imagens, chat, o que for necessário para a organização da operação", explicou o tenente coronel Abelardo Prisco.
Um corte de verbas está atrasando a implantação do Sisfron. O Ministério da Defesa admitiu a demora do sistema de monitoramento, mas informou que o sistema é uma das prioridades na política de fronteiras do país.
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