O juiz da Infância e Juventude de Dourados, Zaloar Murat Martins de Souza é o entrevistado de hoje de O PROGRESSO. O magistrado fala sobre os 25 anos de existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completados no último dia 13 de julho. Lei 8.069/90.
Embora seja considerada uma legislação avançada e exemplar para outros países, especialistas da área apontam que o texto precisa ser efetivamente aplicado para garantir uma transformação real na vida de crianças e adolescentes do País. Muitos aspectos da lei ainda não saíram do papel. Nesses 25 anos, cerca de 20 leis entraram em vigor modificando o estatuto. Ainda estão em análise na Câmara dos Deputados quase 300 propostas para alterar o ECA, mais de 50 destas com o intuito de endurecer a punição aos adolescentes infratores.
Para o juiz Zaloar, falta o Estado colocar em prática as políticas públicas para efetivação do ECA. “A questão é a aplicabilidade, é de fazer com que as chamadas políticas públicas ali previstas funcionem. Que a família, a sociedade civil e o Estado de fato implementem estas políticas públicas previstas no ECA. É um aspecto que tem caminhado a passos de tartagura”.
O juiz Zaloar se mostra favorável a um projeto de lei aprovado recentemente pelo senado que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e aumenta o tempo de internação de menores de 18 anos que tenham cometido crimes hediondos. A matéria seguirá agora para votação na Câmara dos Deputados.
Pelo projeto, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), os jovens que tenham cometido esse tipo de crime poderão ficar internados em centros de atendimento socioeducativo por até dez anos. Atualmente, o tempo máximo de internação é de três anos.
Originalmente, o relator do projeto, senador José Pimentel (PT-CE), havia proposto que o tempo máximo de internação ficasse em até oito anos. Porém, ele acatou emenda do próprio Serra e manteve o limite em até dez anos.
O texto também prevê uma alteração no Código Penal para agravar a pena do adulto que praticar crimes acompanhado de um menor de 18 anos ou que induzir o menor a cometê-lo. Nesses casos, a pena do adulto será de dois a cinco anos, podendo ser dobrada para os casos de crimes hediondos.
Outro ponto proposto por Pimentel prevê que os adolescentes passarão por avaliação, a cada seis meses, feita pelo juiz responsável pelo caso. O objetivo é que o magistrado possa analisar e optar por liberar antecipadamente ou não o jovem da reclusão.
Os internos ainda deverão estudar nos centros de internação até concluir o ensino médio profissionalizante. Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que os menores devem concluir somente o ensino fundamental.
O juiz Zaloar também alerta as famílias sobre o dever de educar seus filhos na questão da chamada educação de berço e não simplesmente transferir este dever as escolas. “Educação de berço é dever das famílias e não da escola”, confira a entrevista:
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi uma boa ideia?
“O Estatuto da Criança foi uma brilhante ideia à época quanto ao seu sancionamento. Na verdade o ECA veio revolucionar o sistema então, vigente, chamado menorista. Então o menor chamado hoje de criança e adolescente era visto pelo Estado na situação de abandono e delinquência e com a entrada em vigor do ECA a criança e o adolescente passaram a ser sujeitos de direito, ou seja, sujeitos protegidos pelo Estado. Protegido na sua saúde, na sua educação, no seu lazer, no esporte, enfim, sob todos os ângulos, então neste aspecto foi uma grande vitória, tanto que até hoje o ECA foi considerado um excelente projeto, uma excelente lei, uma lei moderna comparada as melhores do mundo, agora a questão é a aplicabilidade, é de fazer com que as chamadas políticas públicas ali previstas funcionem. Que a família, a sociedade civil e o Estado de fato implementem estas políticas públicas previstas no ECA. É um aspecto que tem caminhado a passos de tartagura”.
O que falta para que o ECA funcione?
“Realmente o que falta ao ECA é a sua efetividade. São as chamadas políticas públicas ali previstas que ainda hoje continuam na dependência da sua colocação em funcionamento. Nós sabemos que temos parte das famílias desestruturadas e ali é que entra efetivamente a aplicação do ECA. Mas é através do que? Educação, saúde, cultura, lazer, segurança ao jovem, são falhas que vem ocorrendo ou omissões, talvez não falhas que vem ocorrendo por parte do estado e também da própria sociedade civil”.
Com relação às Uneis, a situação continua preocupante?
“Infelizmente é a mesma situação. As Uneis também vem sofrendo este mesmos problemas que eu aqui considerei, isto é, nestes vinte e cinco anos de entrada em vigor do ECA o sistema sócio educativo continua patinando por conta de um Estado que não tem investido neste trabalho de ressocialização. Se nós tivéssemos realmente um estado que investisse na recuperação do adolescente infrator com educação, com profissionalização, com o acompanhamento pós saída da unidade nós poderíamos ter melhores ou até bons resultados, mas infelizmente isso não acontece, e eu já tenho dito em outras oportunidades que nós temos Unei Cadeia hoje em dia, infelizmente”.
O senhor é contra ou a favor da alteração no tempo de internação dos menores infratores?
“Eu sempre fui favorável à elevação do prazo de internação. E esse projeto que é do senador Serra, vem ao encontro da minha ideia também que sempre foi de elevação do tempo de internação e não dessa redução da maioridade penal que também está sendo proposta e votada na Câmara Federal”.
Nestes 25 anos do ECA o que o senhor diria às famílias?
“Para as famílias eu digo que a chamada educação de berço é aquela primeira educação, que é responsabilidade e dever dos pais. Não se pode fazer como se tem falado hoje que essa educação é da escola, eu entendo que não, a escola tem o dever de transmitir o conhecimento, agora, a boa maneira, o respeito aos mais velhos, essa educação que antigamente era chamada de educação de berço continua sendo da família. Eu digo a educação primeira parte da família, infelizmente tem ocorrido muitos casos em que as famílias tentam atribuir toda a educação dos filhos à escola, sentar-se a mesa, de pegar os talheres para se alimentar, isso é dever da família, obrigação das famílias, dar afeto e carinho, ensinar este ser a ter um comportamento social adequado”.
E o papel do Estado neste contexto?
“O Estado continua falhando, eu vejo que com poucos investimentos e a sociedade civil, eu vejo que um tanto quanto distante ainda do problema da desestruturação da família, especialmente as famílias de mais baixa renda, em que não tem havido a participação da sociedade civil como um todo, juntamente com o estado no sentido de dar a esta família desestruturada, condições de educar condignamente os seus filhos”.
Comentários