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A real sobre as aulas na pandemia: pareciam férias, mas foram dias de angústia

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Estudantes revelam detalhes da rotina e que tipo de experiências foram "roubadas" dos adolescentes em 2021

É dia de semana. Estudante na pandemia acorda ao meio dia, come, fica no celular até enjoar, bebe água, joga vídeo game, toma mais água e come de novo. Com muita coragem, rola até um exercício físico antes de voltar para o celular. O único problema é que o fim do bimestre vai chegar e com ele o dia da entrega das apostilas.

Enquanto governo, prefeitura, pais e professores divergiam sobre o retorno presencial, a rotina era essa. Parece legal não ter hora para acordar, mas nem tudo foram flores. O ano de 2021 teve suas angústias e roubou momentos únicos da vida dos adolescentes.

No último ano do ensino fundamental era para ter um sarau, além de homenagem surpresa aos amigos e funcionários da escola em que Benedito Carlos do Nascimento Neto, de 15 anos, estudou a vida toda, mas veio a pandemia.

A festa junina e o clássico uniforme personalizado do 9º ano também eram ansiosamente esperados, mas não foram possíveis.

Meses em horas - Em contrapartida, ele e o irmão, Gabriel Solano Coelho, de 14 anos, viveram um momento que, muito provavelmente, eles nem sabem o nome, porque a palavra é daquelas antigas: um serão. Juntos, eles viraram a noite fazendo exercícios das apostilas ignoradas por meses.

Não teve sarau, mas teve o serão e uma série de angústias e alegrias. O que Gabriel fez de melhor foi tomar mais água, o que é muito bom para a saúde, e Benedito passou a ler livros quando enjoou do celular.

No fim de 2020, o boletim veio em branco e todo mundo passou, mesmo quem não preencheu os exercícios das apostilas, segundo Grabriel. Isso gerou alguma revolta, porque eles sofreram com a procrastinação e as horas resolvendo atividades acumuladas nos finais de bimestre, mas em 2021 as coisas foram "mais sérias" na educação à distância, na avaliação de Bene. Apesar de criticar, eles demonstram certo conformismo e respeito às soluções que as escolas encontraram para enfrentar a pandemia.

“Fizemos meses em horas. A pandemia impactou muito a nossa saúde mental e física”, resume Benedito sobre os meses de procrastinação e a noite sem dormir.

Pelas conversas com os amigos da escola essa rotina não teve como ser muito diferente para os mais de 85 mil alunos da rede municipal de Campo Grande, da qual faz parte a Escola Municipal Professor Arlindo Lima, no Centro, onde Bene estudou durante nove anos e Gabriel ainda estuda.

“Eu tinha três apostilas de 70 páginas cada e o Bene tinha uma com mais de 100 páginas. Viramos a noite. De manhã, olhei para minhas pernas e estavam inchadas, meu rosto também”, lembra o estudante Gabriel Coelho.

Professores revelação - Passado o medo da covid, muitos professores já estavam ansiosos pelo retorno presencial, porque "ensinar e avaliar de casa não estava fácil", segundo Bene. Alguns não tinham afinidade nenhuma com os smartphones e vídeo chamadas. Outros tiveram dificuldades para conciliar as aulas remotas com a rotina, que incluía os filhos em casa.

Alguns fizeram “mais do mesmo”, nas palavras de Bene, mas os dois concordam que todos os professores foram bons, cada um com suas dificuldades e qualidades.

Quando as aulas eram só por apostilas e as dúvidas eram tiradas por mensagem, uma das professoras de Gabriel foi além e fez um canal no Youtube para ajudar com os exercícios. A professora de Matemática de Bene atendia até as duas horas da manhã no WhatsApp.

A professora de Artes fez um grupo exclusivo no whats, independente do grupo geral das disciplinas. A organização, a disponibilidade e tudo o que alguns educadores fizeram para ajudar no aprendizado marcou o ano dos estudantes.

O retorno - Do total, 1,5 mil estudantes não entregaram as atividades e nem procuraram a escola, no fim de  2020, conforme a Semed (Secretaria Municipal de Educação). Em julho de 2021, as aulas presenciais finalmente voltaram e o número de matrículas foi normal, conforme a secretaria. O retorno dividiu opiniões e foi polêmico.

Pais assinaram termo de compromisso optando pela volta ou não dos filhos às salas de aula. Em vão, a ACP (Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais da Educação Pública) pediu que as aulas presenciais voltassem apenas quando todos os professores fossem vacinados com duas doses.

Na rede estadual, depois de 58 dias de ensino híbrido, o rodízio de alunos terminou em outubro com retorno obrigatório. No fim de 2020, havia 553 mil alunos no Estado, das creches até o EJA (Ensino de Jovens e Adultos), segundo último dado divulgado pela SES (Secretaria de Estado de Educação).

“Tem uma menina que não voltou ainda, continua na educação à distância”, conta Gabriel, que estuda em regime escalonado na rede municipal.

“É uma hipocrisia. Os alunos não se aglomeram na escola, mas acabam indo em grupos para os shoppings e praças”, opina Bene.

Os estudantes lamentam que a pandemia tenha roubado momentos importantes, mas, como todo mundo, entendem que resta agradecer pela saúde e esperar que 2022 traga todas as experiências boas, que marcam a vida de crianças e adolescentes na escola.

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