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O retorno de Xuxa e Gugu: um reforço à mesmice dos programas de auditório

Um batalhão de seguranças, centenas de fãs e um tapete vermelho esperavam por Xuxa Meneghel em uma coletiva na quinta-feira passada, em São Paulo. A cena é comum para a apresentadora, uma das mulheres mais famosas do Brasil. Exceto pela localização de tamanha recepção: a sede da rede Record. Após 28 anos de um relacionamento aparentemente sólido com a rede Globo, a loira finalizava ali, aos olhos do público, a troca de emissoras, em meio a juras de amor à nova casa.

Há dois anos, Xuxa começou a ser sondada pela Record. Na época, ela ainda estava à frente do global TV Xuxa - o que não impediu que o vice-presidente artístico e de programação do canal, Marcelo Silva, tentasse convencê-la de uma mudança. Tanto insistiu que conseguiu. O xaveco foi tão bom que ele e a loira pareciam amigos de infância durante o evento na Record. Para deixar a situação ainda mais chamativa, a emissora assinou o contrato com Xuxa uma semana depois da volta de Gugu Liberato para a televisão, também na Record - ambos estavam há mais de um ano distantes das telas. O comentado retorno de dois ícones das décadas de 1980 e 1990 representa não só uma nova batalha na guerra por audiência das emissoras: é um sintoma de que a televisão brasileira ainda vive da reciclagem de formatos e de quadros de programas de auditório - uma estratégia que, por incrível que pareça, continua a funcionar.

A estreia do programa Gugu é um exemplo. Foi ao ar no dia 25 de fevereiro de 2015, mas bem podia ser 1990: o apresentador entrou no estúdio ao som da estupenda Pintinho Amarelinho, eternizada durante o Viva a Noite, atração comandada por ele entre 1982 e 1992 no SBT. A estreia, impulsionada por uma entrevista exclusiva com Suzane von Richthofen, condenada em 2006 pela morte dos pais, marcou 17 pontos de audiência, os melhores números do apresentador no canal, que exibiu a primeira versão da atração entre 2009 e 2013. Uma semana depois, no dia 4 de março, a audiência média foi de 11 pontos. Mesmo com a queda, a atração ainda manteve a vice-liderança, na frente do SBT, que exibia o Programa do Ratinho. A boa recepção assustou também a Globo, que vem esticando a novela Império em quase meia hora nos dias em que Gugu vai ao ar, às terças, quartas e quintas-feiras.

Já Xuxa balança a bandeira da mudança. Segundo a apresentadora, a nova emissora dará mais autonomia a ela, ao contrário da Globo. "Posso fazer o que eu quero agora. É muito difícil trabalhar em um lugar em que você não pode, não pode, não pode. Agora eu posso, eu posso", diz. O discurso, que mais parece a letra de uma de suas músicas mais famosas, Lua de Cristal, projeta a metamorfose na carreira da loira, que ainda não conseguiu se desvencilhar da associação com o público infanto-juvenil. Por enquanto, Xuxa e Record prometem uma atração nos moldes do que é feito por Ellen DeGeneres na televisão americana, porém com um algo a mais. Além das entrevistas, ela pretende trazer números musicais, notícias e - surpresa! - um repórter mirim. Parece menos o que faz a divertida Ellen e mais uma repetição do arroz com feijão da TV brasileira.

Mais do mesmo - A dança das cadeiras entre apresentadores e emissoras não é exclusividade da dupla loira da Record. Raul Gil e Eliana são outros exemplos do troca-troca televisivo. Porém, o que dificilmente mudam são os formatos dos programas e seus quadros. O Arquivo Confidencial, por exemplo, que leva depoimentos de pessoas que fizeram parte do passado de famosos ao Domingão do Faustão, da Globo, tem versões ainda no Caldeirão do Huck (exibido aos sábados, na Globo), A Hora do Faro (domingos, Record) e Programa da Sabrina (sábados, Record). Nada disso é impedimento para que os programas de auditório, que, somados, ocupam quase 40 horas da grade do fim de semana, atinjam números consideráveis no Ibope. Em janeiro deste ano, Fausto Silva registrou média de 14 pontos de audiência, Luciano Huck obteve média de 13 pontos, Rodrigo Faro marcou 7 pontos e Sabrina Sato 6. Para Vera Regina Veiga França, professora de comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), programas de auditório atraem público porque dialogam com elementos da cultura brasileira.

"Há uma mistura da festa e do circo com elementos mais trágicos e dramas, apresentada geralmente por uma figura carismática, que comanda, faz rir", diz ao site de VEJA. "A repetição de quadros nos programas não é só um sinal de que uma emissora copia a outra, também está relacionada com a exploração de temas fortes que interessam às pessoas, como o sofrimento, as origens, a traição, a perda e o encontro de um grande amor."

Outro atrativo destes programas é seu baixo custo de produção, o que faz deles um negócio ainda mais rentável que a produção de séries de ficção para as emissoras, por exemplo. "Geralmente, quando um programa é gravado em estúdio ele fica mais barato do que aqueles que vivem de externas. E é sempre mais arriscado testar um novo gênero e programa do que repetir uma fórmula que já foi provada eficiente", afirma a professora de comunicação Cristiane Finger Costa, do programa de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Bolo publicitário - Audiência atrai anunciantes. Segundo dados do Ibope, os programas de auditório abocanharam a terceira maior fatia do bolo publicitário em TV aberta em 2014, recebendo 7 bilhões de reais em verba publicitária. O formato só perde para os jornalísticos (18,5 bilhões de reais) e as novelas (12,7 bilhões).

Se, por um lado, o intervalo comercial traz receita, por outro ele pode dispersar a audiência. Como unir as duas coisas? Com o merchandising, explica José Carlos Aronchi, autor do livro Gêneros e Formatos na Televisão Brasileira. "O terror das emissoras é o intervalo comercial, que pode fazer com que os espectadores troquem de canal. O programa de auditório sofre menos com isso por estar recheado com o merchandising, ou seja, ações publicitárias integradas à atração." Segundo o Ibope, os programas de auditório foram os que mais trabalharam com o "merchan" no ano passado na TV aberta, com um investimento do mercado publicitário de 3,1 bilhões de reais, o equivalente a 49% de todas essas ações.

O merchandising, inclusive, é até mais vantajoso, financeiramente falando, para os canais. Enquanto a inserção de um comercial de trinta segundos durante o intervalo do Domingão do Faustão tem preço de 272.000 reais, um merchan no mesmo programa pode render de 600.000 a 1,2 milhão de reais, por exemplo. No Programa Eliana, um comercial tem preço de 300.513 reais, já por um merchan são cobrados 518.700 reais. No A Hora do Faro, os preços são de 244.500 reais (comercial) e 650.000 reais (merchandising).

"Alguns apresentadores são verdadeiras marcas. O Gugu, por exemplo. Ele carrega um punhado de patrocinadores para onde quer que ele vá e isso favorece a emissora, que consegue receita imediata com algo já consagrado", diz Aronchi. Que o diga a Record, que já tem cinco patrocinadores só com o anúncio da contratação de Xuxa, antes mesmo de ter equipe de produção, quadros definidos e data de estreia.

Ser uma "marca" faz parte da vida desses apresentadores, que há tantos anos entram nas casas brasileiras e passam horas diante dos olhares do público, tornando-se quase membros da família. Por estigmas como este é questionável o tamanho da mudança de Xuxa na Record. Talvez nem tanto pela emissora, mas pela própria apresentadora, que terá que provar ser capaz de algo mais do que está acostumada para conquistar as pessoas do outro lado da TV.

"Tanto Xuxa como Gugu voltaram à televisão para serem eles mesmos. São figuras emblemáticas, não vejo a Xuxa sendo outra coisa além da 'rainha dos baixinhos'. Não aposto em grande metamorfose", afirma a professora Vera França, da UFMG. O que vem pela frente ainda não se sabe, só resta mesmo torcer para que, a exemplo de Gugu, Xuxa não entre no palco entoando Lua de Cristal ou Ilariê.

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