Há uma semana, o Botafogo-PB vencia o Campinense no Almeidão e conquistava o título do Campeonato Paraibano de 2018. Mas, no dia seguinte, o escândalo estourou no futebol do estado: a Polícia Civil anunciou que existem provas de compra de resultados em vários jogos deste campeonato e que dirigentes de clubes, árbitros e a comissão de arbitragem participaram desse esquema de manipulação. Em entrevista ao repórter Maurício Ferraz, do Fantástico, o delegado Lucas Sá, da Delegacia de Falsificação e Defraudação - que está à frente das investigações -, revelou três jogos que estão sob suspeita na edição deste ano do estadual. O restante segue sob sigilo para não atrapalhar o trabalho da polícia.
A Polícia Civil encabeça as investigações ao lado do Ministério Público e através do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco). Quem trabalha ao lado do delegado Lucas Sá é o também delegado Marco Paulo Vilela, da Superintendência da Polícia Civil na Região Metropolitana de João Pessoa. É ele quem explica o motivo de a operação ter sido deflagrada só agora, mesmo as investigações tendo sido iniciadas há seis meses.
- Como estratégia investigativa, deixamos o campeonato terminar. Se aproximando da final do campeonato, essas manipulações de resultados ficariam mais atrativas para esse grupo criminoso.
Segundo os delegados, a investigação começou depois que cinco árbitros resolveram denunciar tudo à Polícia e ao Ministério Público. Dois deles gravaram com a equipe do Fantástico, mas, como são testemunhas, não mostraram seus rostos e vão ter suas identidades preservadas.
Segundo as duas testemunhas, o árbitro escolhido recebia propina para garantir a vitória do time corrupto no campeonato.
Depois das denúncias, a Polícia passou a acompanhar os jogos e hoje são 60 pessoas investigadas (número este que pode chegar a 80, segundo o delegado Lucas Sá revelou ao GloboEsporte.com no início desta semana). Entre os vários jogos sob suspeita de terem sido manipulados, os investigadores revelaram ao Fantástico apenas três, todos envolvendo o campeão Botafogo-PB. Mas todos os clubes participantes da primeira divisão deste ano estão sendo investigados.
O dia era 11 de fevereiro. Botafogo-PB e CSP se enfrentaram pela sétima rodada da primeira fase do Campeonato Paraibano. O placar final da partida foi 3 a 3. E, após encerrado o jogo no Almeidão, objetos foram arremessados no campo. A Rádio CBN João Pessoa transmitia a partida.
- A torcida do Botafogo não deve jogar objeto. Não pode, não pode - comentavam os profissionais de imprensa responsáveis pela transmissão.
O árbitro do jogo era Francisco Santiago, um dos investigados na operação policial. Perguntado pelo repórter da CBN, na ocasião, sobre o que registraria na súmula da partida, ele foi claro:
- Arremessada da torcida do Botafogo. Vou ter que colocar na súmula do jogo.
A reportagem do Fantástico consultou Rodrigo Braguetto e Ulisses Tavares da Silva, dois ex-árbitros de futebol com bastante experiência na profissão, e eles deram suas opiniões sobre os fatos.
- A Justiça Desportiva pode punir um clube devido ao mau comportamento dos seus torcedores - disse Braguetto.
- Perda de mando de jogo, interdição do estádio - completou Tavares.
Nada disso aconteceu. O Botafogo-PB não recebeu nenhuma punição.
A Polícia já sabe que, depois do jogo, dirigentes do Belo pressionaram o presidente da Comissão de Arbitragem da Paraíba, José Renato, e ele mandou que o árbitro Francisco Santiago não colocasse o problema na súmula. E assim foi feito: "A equipe de arbitragem não conseguiu identificar a torcida responsável pelos arremessos", escreveu o árbitro, num discurso bem diferente do que o que passou ao repórter da CBN logo após o fim da partida.
Na Paraíba, os sorteios dos árbitros são gravados, ficam disponíveis na internet e há representantes dos clubes na sala onde acontecem os sorteios, na sede da Federação.
O delegado tem essa certeza porque as investigações mostram: toda vez que um dirigente pedia um determinado árbitro ao presidente da Comissão de Arbitragem, esse pedido era atendido. Para o delegado, não é sorte, nem coincidência.
- Algumas diligiências são sigilosas no momento. Mas a gente tem fatos concretos que comprovam essa negociação. O próprio presidente da Comissão Estadual de Arbitragem garante que aquele árbitro vai ser sorteado.
Segundo as investigações, José Renato, o presidente da Comissão, também recebia propina.
- Chega a ser revoltante. Porque basicamente você não tem mais a garantia que aquele jogo é idôneo, que é um espetáculo de disputa entre times de futebol.
No dia 25 de fevereiro, Nacional de Patos e CSP se enfrentaram no Estádio José Cavalcanti, em Patos, pela penúltima rodada da primeira fase. Segundo a Polícia, para conseguir uma classificação melhor na competição, dirigentes do Botafogo-PB queriam que o CSP vencesse a partida. E, momentos antes do sorteio, determinaram que o árbitro fosse João Bosco Sátiro.
O árbitro realmente foi o escalado para o jogo e, quando a partida ainda estava empatada por 0 a 0, ele anulou um gol do Nacional de Patos, alegando impedimento. Na ocasião, a anulação do lance revoltou e muito os jogadores e torcedores do time da casa.
- Não foi impedimento. Para mim, posição normal - avaliou o ex-árbitro Ulisses Tavares da Silva.
- É um erro que um árbitro apitando um jogo da primeira divisão de um campeonato estadual não pode cometer - concordou o também ex-árbitro Rodrigo Braguetto.
O CSP venceu a partida por 2 a 0, como os dirigentes do Botafogo-PB queriam. O Nacional de Patos acabou não conseguindo a classificação para a fase de mata-mata e teve que disputar um quadrangular contra o rebaixamento. O CSP se classificou.
No dia 15 de março, outra partida suspeita: Botafogo-PB x Sousa, valendo vaga para as semifinais do estadual. O árbitro da partida foi Antônio Carlos Rocha, também investigado por fazer parte do esquema. Aos 11 minutos do primeiro tempo, com o jogo ainda empatado em 0 a 0, ele marcou um pênalti a favor do Botafogo-PB, que precisava vencer para se classificar.
- Você vê que o atleta não é tocado. Para mim, não foi pênalti - opinou Ulisses Tavares.
- O árbitro realmente marcou pênalti que não existiu - corroborou Braguetto.
O Botafogo-PB fez o gol de pênalti, venceu por 3 a 1, passou para a semifinal e depois foi campeão paraibano.
Procurada pelo Fantástico, a diretoria botafoguense não quis falar sobre as acusações.
A Polícia Civil e o Ministério Público acreditam que a compra de resultados não começou neste ano. A suspeita é que o esquema aconteça pelo menos desde 2015, mas as edições desde 2011 também estão sendo averiguadas, como confirmou o delegado Lucas Sá ao GloboEsporte.com ainda no início da semana. Ou seja, milhares de torcedores que compraram os ingressos e foram até o estádio para vibrar pelos seus times podem ter sido enganados.
A Federação Paraibana disse que não pensa em cancelar nenhum campeonato e que quer apuração rigorosa.
- Nós queremos que seja feita a investigação e determinados quem são os culpados, para serem banidos do futebol paraibano e do futebol brasileiro - comentou Hilton Souto Maior Neto, que é um dos advogados da FPF.
O presidente da Comissão de Arbitragem, José Renato, nega as acusações, mas, apesar disso, a CBF determinou a suspensão de todos os árbitros da Federação Paraibana até a conclusão das investigações.
- Todos que trabalham com futebol, dirigentes, funcionários, estão sendo investigados. Só quem perde com isso é o futebol brasileiro - lamentou o delegado Lucas Sá.
O procurador-geral de Justiça do Ministério Público da Paraíba comentou o caso. Para ele, o público precisa ter a garantia de imparcialidade dentro do futebol.
- O torcedor precisa ir ao estádio e saber que assiste a um jogo com resultado imparcial, sem que haja qualquer interferência externa que possa influenciar o resultado dessa partida.
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