“Isso é mimimi”, “tá fazendo corpo mole”, “está com o diabo no corpo”. Estas são apenas algumas das expressões usadas por muitos quando o assunto são pessoas depressivas. Mas, o que muita gente não sabe, é que julgar alguém que enfrenta a depressão pode ser tão prejudicial quanto não procurar tratamento para a doença. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), até 2020, a condição será a mais incapacitante do planeta. Nos últimos 10 anos, os casos cresceram 18% e os afetados são pessoas de diferentes raças, idades e classes sociais.
Sem fazer distinção, a depressão pode afetar alguém que, a princípio, pode parecer estar fora de risco, mas não é o que ocorre. Na quarta-feira (2), um rapaz de 24 anos entrou para as estatísticas após tirar a própria vida. Bruno Pontes era conhecido entre os amigos pelo bom humor. Mas, intimamente, travava uma luta enfrentada por mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, cada uma a seu modo. Ele publicou um texto no Facebook e depois desapareceu.
Na página do BHAZ no Facebook, internautas de diferentes partes do país deixaram comentários a respeito do desaparecimento do rapaz. Outros, no entanto, relataram ter se identificado com a forma como ele descreveu se sentir. O número assusta, mas não reflete nem de perto a realidade do Brasil – que encabeça listas nada animadoras sobre o assunto (veja mais abaixo na matéria).
Como alguém bem-humorado, que parece de bem com a vida pode, então, ser depressivo? “A depressão não tem cara” é o que diz o psicólogo e psicanalista mineiro Eduardo Lucas Andrade, que faz um alerta: “A depressão não é do campo da lógica, então pode afetar qualquer pessoa. Pessoas consideradas belas, as ricas e com oportunidades também têm depressão. É preciso falar sobre e escutar pessoas nessas condições para que haja possibilidade de acolhimento”, explica. “Quem tem depressão sabe que o excesso também pode ser um motivador, já que é uma doença do campo do sentimento. É preciso empatia para entender que trata-se de uma condição visceral, sem lógica concreta, que leva a um sofrimento existencial”, diz.
O especialista conta ainda que a depressão afeta a vida do indivíduo em diversas camadas. Alguns não conseguem levantar da cama, enquanto outros deixam de falar com amigos e familiares; e estes são apenas alguns dos exemplos de como agem pessoas depressivas. Para Andrade, além de ser empático, é necessário distinguir a depressão da tristeza e do luto para que a condição seja entendida mais facilmente e passe a receber a devida atenção.
“A tristeza é um afeto, assim como a alegria, e todos podemos sentir. Mas a tristeza carrega consigo motivos, é algo de momento. O luto, por sua vez, é uma vivência que surge a partir de uma perda. Ele exige resiliência e não deve ser medicado, tem que ser vivido para que não gere outras questões. A depressão é o sofrimento mais crônico. O sujeito se fecha em si e não consegue lidar com a vida, com o ritmo das coisas. As causas são singulares e individuais”, aponta.
No ano passado, um grupo de 200 cientistas de todo o mundo publicou um estudo inédito sobre depressão na revista “Nature Genetics”. Mais de 40 genes associados à condição foram identificados em uma espécie de “mapa” da doença. Embora as pesquisas estejam avançando, ainda não é possível determinar com exatidão o que provoca o transtorno. Diz-se que há a influência de fatores externos, mas também de uma pré-disposição.
Dados da OMS, divulgados em 2017, apontam que 11,5 milhões de brasileiros têm depressão – o que torna o país o líder na América Latina e o segundo com mais prevalência nas Américas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Embora assustem, os números parecem não refletir a situação do Brasil com o devido peso. É que, além de a doença não ter “cara”, os depressivos ainda precisam lidar com o sofrimento e enfrentar estigmas e preconceito. Segundo o psicanalista e psicólogo Eduardo Lucas Andrade, o julgamento é uma forma de abandono.
“O julgamento, a moralidade e as críticas representam abandono para pessoas depressivas. É necessário acolher e ter escuta atenta a essas pessoas para que haja possibilidade de tratamento. Não é só falar, é realmente estar junto e procurar tratamento. Muitas pessoas não buscam por receio, por medo, muitas não conseguem falar sobre e outras evitam justamente para não lidar com o olhar preconceituoso do outro. Não tem isso de ‘doença de rico’, de estar com o ‘diabo no corpo’. Essa postura só ataca o indivíduo e não ajuda em nada”, pondera.
Andrade diz que não culpabilizar pessoas depressivas e ficar em alerta para os sintomas são boas formas de identificar quem precisa de ajuda. “A pessoa pode não falar abertamente sobre a doença, mas ela ‘diz’ de outras formas. Um exemplo são frases de alerta e autodestrutivas”, conta. E, além da saúde mental, a depressão também pode afetar seus portadores fisicamente. Os sintomas podem se manifestar por meio de distúrbios do sono, de problemas digestivos, dores de cabeça, mudanças no apetite e peso, cansaço e fadiga, entre outros.
Divulgação/Ministério da Saúde
O tratamento para depressão pode ser obtido por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. No entanto, é preciso passar por avaliações médicas para se determinar quais serão as ações para melhor tratar os indivíduos, já que cada caso tem suas especificidades. “Em casos mais graves, é necessário fazer o uso de medicamentos, além da terapia, que é indicada para quem tem transtornos nesse sentido. É um cuidado permanente. Pode existir, em algum momento, a sensação de que não é necessário mais se tratar, mas ninguém deve se dar alta por conta própria. A depressão pode voltar pior. Então tem que fazer o acompanhamento”, explica.
Outro caminho para se conseguir ajuda são as escolas-clínicas de faculdades e universidades, que oferecem atendimento a pessoas com sofrimento mental.
Suicídio
A depressão é uma das doenças que pode levar alguém a cometer autoextermínio. No entanto, não é a única. A psicóloga especialista em saúde mental Thaís Alves explica que outros transtornos mentais e processos dolorosos, além da dependência química, também podem desencadear tendências suicidas. Ela explica que tirar a própria vida está entre as cinco causas de morte com maior ocorrência em todo o mundo. E crava: é preciso discutir o assunto, de forma responsável, cada vez mais. “Falar sobre morte é também falar sobre possibilidades de vida”, diz.
“O suicídio é algo que acompanha e atravessa a existência humana desde seus primórdios. Diversas ciências se propõem a pensar a existência e há bastante material sobre o assunto. Ainda assim, até hoje é muito difícil falar sobre esse problema e enfrentá-lo”, pondera. “O suicídio ocorre quando o individuo tem dificuldade em lidar com problemas do campo da perda de possibilidades, dos laços. A morte é vista como uma forma de atenuar o sofrimento. Não trata-se de um interesse pela morte em si, mas de encará-la como um meio para uma finalidade”, conta.
A especialista aponta o fato de o autoextermínio ser considerado um tabu, por diferentes motivos, como uma das dificuldades de se discuti-lo de forma mais abrangente. “Muitas pessoas não querem falar sobre, existe um estigma relacionado às pessoas que se matam e que têm tendências suicidas. Mas é urgente tratar desse assunto, os números nos alertam”, afirma
Dados do Ministério da Saúde, divulgados em 2018 durante o Setembro Amarelo – que faz campanha de prevenção ao suicídio -, mostram que, de 2007 a 2016, mais de 100 mil pessoas morreram em decorrência do autoextermínio. Naquele ano, a taxa foi de 5,8 por 100 mil habitantes. A região Sudeste do Brasil foi a que concentrou maior parte das ocorrências em 2017, 49% do total, seguida pela região Sul, com 25%. A meta da Organização Mundial de Saúde (OMS) é de reduzir em 10% os casos de morte por suicídio até 2020.
Segundo Thaís, as famílias de pessoas que cometem suicídio, ou que tentam contra as próprias vidas, ficam bastante marcadas no próprio meio e diante da sociedade. Ela aponta o julgamento dessas pessoas e das situações como um erro. “As famílias vivem uma espécie de luto duplicado. O primeiro tem a ver com a perda em si e o segundo com o fato de que a pessoa foi responsável por provocar a própria morte”, explica. O ideal, de acordo com ela, é que as pessoas procurem não culpabilizar e sim entender o momento enfrentado pelas pessoas em questão.
“O suicídio está relacionado a um sofrimento extremo, mas há pessoas que fazem sim para chamar atenção. Mas, se alguém chega a tal ponto, em busca de atenção, é um indicativo, uma denúncia de que há algo errado, existe algum sofrimento real ali”, conta. “Se a pessoa perdeu o emprego, terminou um relacionamento, e passa a ter tendências suicidas, há algo muito importante para aquela pessoa ali. Não falar sobre o assunto, ou relativizar a dor do outro, não ajuda em nada”, explica. Ela conta ainda que adolescentes, jovens e pessoas LGBT encabeçam a lista de pessoas que cometem autoextermínio. “É preciso entendermos também o tempo, o espaço e o contexto em que estamos localizados. As pessoas estão sobrecarregadas”, diz.
Ato na orla de Copacabana marca o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. O evento faz parte da campanha Setembro Amarelo (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Thaís ainda afirma que o suicídio deve ser encarado como um problema de todos e aponta caminhos para que as pessoas se cuidem. “A sociedade tem que se envolver nessa discussão, assim como as famílias, amigos e pessoas próximas. O sofrimento do outro tem sido banalizado, mas é impossível pensar em intervenções sem traçar uma relação com o ambiente em que a pessoa propensa ao autoextermínio vive. Trata-se de todo um processo”, pondera.
A especialista conta que conviver com pessoas que desejam tirar a própria vida é algo complicado e que requer cuidados. “Os discursos geralmente são pesados e repetitivos, se nós que estamos preparados para ouvi-los sentimos o peso, imagine quem não tem uma escuta qualificada e formas de lidar com essas situações?”, reflete.
Divulgação/Agência Brasil
“Em alguns casos, a pessoa não quer procurar ajuda e se recusa a consultar um médico, que é o primordial. As pessoas próximas devem, então, procurar ajuda com profissionais para um direcionamento do que fazer. É uma forma de ajudar o outro e a si mesmo”, ensina. “O sofrimento que pode fazer alguém querer tirar a própria vida pode se materializar em sintomas que vão desde a perda de sentido, das coisas e da vida até a aparência. Um discurso repetitivo e mudanças comportamentais também podem indicar que a pessoa precisa de ajuda”, explica.
Thais ainda faz uma diferenciação entre o sofrimento crônico, que pode desencadear tendências suicidas, ao sofrimento do cotidiano. “O sofrimento do cotidiano é algo que nos acompanha, que faz parte da experiência humana. É preciso vivê-lo e assumir as rédeas para mudar as situações que o provocam, quando possível. É importante questionar: ‘qual a minha responsabilidade no meu sofrimento?’, e entender que a vida não é feita apenas de derrotas, nem apenas de vitórias. São fases, processos e ciclos”, pontua.
Prevenção ao suicídio
Ligações para o Centro de Valorização da Vida (CVV), que auxilia na prevenção do suicídio, passaram a ser gratuitas em todo o país em julho do ano passado. Um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde, assinado em 2017, permitiu o acesso gratuito ao serviço, prestado pelo telefone 188.
Por meio do número, pessoas que sofrem de ansiedade, depressão ou que correm risco de cometer suicídio conversam com voluntários da instituição e são aconselhados. Antes, o serviço era cobrado e prestado por meio do 141.
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