Um prédio sem segurança adequada, com cortes de água que chegaram a durar dez dias e relatos de invasão de homens armados: é assim que a cônsul-geral do Brasil em Caracas, Elza Moreira Marcelino de Castro, descreve as instalações do consulado na capital venezuelana. Em telegramas obtidos pelo UOL, com base da Lei de Acesso à Informação, ela cita ainda casos de sequestros de funcionários do posto consular.
Na comunicação enviada em 28 de junho de 2016, a diplomata afirma que o consulado não possui "sistema de câmeras de ampla cobertura e dotado de tecnologia que assegure melhor resolução de imagens; detector de metal; ou portões eletrônicos com dispositivos para impedir a entrada de indivíduos mal-intencionados".
Como exemplo, ela cita um incidente registrado em 2014, quando "bandidos adentraram as instalações deste CG [consulado geral] para roubar à mão armada um dos usuários do serviço consular. O incidente provocou um alarmante estado de pânico entre os funcionários e o público presente".
O caso citado por Elza ocorreu em 21 de junho de 2014. Em outro telegrama, a cônsul relata que homens armados invadiram o consulado no período da tarde, "em presença do segurança e diante do público", e roubaram o cidadão ganense Philip Amatey Wuddah, que aguardava para receber senha de atendimento e foi obrigado a entregar os seus pertences dentro do prédio da chancelaria. Os bandidos usaram três carros e várias motos nas imediações, segundo afirma a correspondência.
Na correspondência de 2016, Elza diz que já havia informado em telegramas anteriores "diversos casos de violência envolvendo o sequestro ou tentativa de sequestro de funcionários deste posto, alguns dos quais tiveram que mudar de residência para estar mais perto da chancelaria, embora já vivessem nas cercanias".
Quem cita o caso envolvendo o sequestro de uma funcionária brasileira é o embaixador Ruy Pereira em telegrama enviado em 11 de julho de 2014. Segundo ele, a diretora do Instituto Cultural Brasil-Venezuela, Irlanda Rincón Chalbaud, foi sequestrada em 2012. O instituto é privado, mas ligado à chancelaria brasileira.
O Itamaraty recusou os pedidos de entrevista do UOL para a diplomata Elza Moreira Marcelino de Castro. Os pedidos enviados ao consulado geral, feitos a uma funcionária venezuelana da chancelaria, não foram respondidos. Até o fechamento desta reportagem, o Itamaraty não respondeu oficialmente a nenhum questionamento sobre os telegramas da cônsul ou sobre a responsabilidade do governo venezuelano de assegurar a segurança do local.
"Modéstia persistente de recursos financeiros disponíveis"
De acordo com a correspondência enviada pela diplomata, a repartição consular não se beneficia do apoio de policiais da Guarda Nacional Bolivariana, e a empresa contratada para a segurança pelo consulado não porta armas. Segundo o site Transparência Brasil, que divulga os gastos oficiais do governo federal, incluindo as despesas do Itamaraty, a empresa venezuelana responsável pela segurança é a SK Seguridad Karlim 99, que foi convidada a prestar serviços --sem passar por licitação, dispensada pela lei 8.666, que institui normas para a contratação de prestadores de serviços do governo.
A diplomata relata que o consulado foi aberto em 2008, "numa época em que as preocupações em matéria de segurança pareciam supérfluas", e pondera que a escolha da sede da chancelaria --uma casa no bairro de Altamira, onde ficam outras embaixadas e consulados na capital-- não levou em conta qualquer cenário de que a situação poderia se deteriorar. "As decisões tomadas posteriormente em matéria de segurança tampouco contemplaram a hipótese do agravamento da situação, o que, acoplado à modéstia persistente de recursos financeiros disponíveis, se reduziram à instalação de itens elementares, atualmente obsoletos e insuficientes para cobrir as necessidades".
Nos telegramas de 2014, ela já pedia a instalação de detectores de metais, queixava-se da qualidade das câmeras e chega até a citar um caso de violência envolvendo um cidadão brasileiro que atirou "vidros, bombas de festim e pedra volumosa sobre o muro de suposta proteção desta chancelaria, chegando, inclusive, a quebrar o para-brisa dianteiro de veículo oficial estacionado no pátio interno".
Elza afirma ainda que, no dia 26 de junho de 2016, "marginais invadiram o prédio de um desses mesmos funcionários e roubaram a ele e sua família quando desfrutavam de churrasco no terraço".
Outros telegramas relatam a invasão a casas de outros funcionários da chancelaria, um deles chegou a ser "amarrado e mantido sob ameaça de arma por várias horas" em 2014. Um dos funcionários diz ainda que chegou a ser seguido após deixar o prédio do consulado.
No Portal da Transparência, consta a compra de equipamentos de segurança, entre eles discos rígidos, um monitor de TV LED e 16 câmeras de dois tipos. Desde que o telegrama foi enviado por Elza ao Itamaraty, em junho de 2016, não há qualquer referência sobre a compra ou instalação de detectores de metal na prestação de contas do consulado.
O bairro em que o consulado está instalado passava por um rodízio de água previsto para ser realizado em três dias por semana, segundo a cônsul. Entretanto, Elza diz que chegaram a passar mais de dez dias sem abastecimento de água. Ela pede a readequação do horário de funcionamento para se adaptar às dificuldades de manter os trabalhos com os cortes de água, luz e serviços de telefonia e internet.
Relações estremecidas
A Venezuela passa por uma grave crise, com altos índices de criminalidade, escassez de água, frequentes apagões de energia elétrica e a falta de alimentos e produtos de necessidade básica e medicamentos.
Além disso, o país não reconhece oficialmente o governo de Michel Temer (PMDB). Brasil e Venezuela retiraram seus embaixadores desde que o governo de Nicolás Maduro convocou para consultas o diplomata venezuelano em Brasília, como um meio de manifestar sua insatisfação com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), chamando a saída dela de "golpe oligárquico". Em resposta ao ato venezuelano, o chanceler José Serra convocou o embaixador Ruy Pereira.
Neste mês, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Julio Borges, opositor de Maduro, foi recebido por representantes do governo brasileiro em Brasília, entre eles o chanceler José Serra (PSDB), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB).
A visita do parlamentar opositor ocorreu um dia após ele publicar uma carta que recebeu de Temer, afirmando que o governo de Maduro recusou um carregamento de remédios que o Brasil estaria disposto a mandar como ajuda humanitária ao país vizinho.
Comentários