Saúde

Aumento nos casos de conjuntivite surpreende médicos e dispara buscas no Google

Em Recife, pacientes aguardam abertura de ficha na maior unidade de atendimento oftalmológico da rede pública, a Fundação Altino Ventura. Este ano, foram atendidos 12 mil casos de conjuntivite, contra 2 mil no ano passado (foto de 4 de abril) / Foto: Em Recife, pacientes aguardam abertura de ficha na maior unidade de atendimento oftalmológico da rede pública, a Fundação Altino Ventura. Este ano, foram atendidos 12 mil casos de conjuntivite, contra 2 mil no ano passado (foto de 4 de abril) / Foto:

"Foi muito maior e mais longo do que nos anos passados. A essa altura, já não era mais para ter", completa Ivan Dantas, coordenador do serviço de urgência de Salvador.

Os três médicos trabalham no atendimento de emergência da rede pública das capitais dos seus Estados. Em comum, vivenciaram uma crise de conjuntivite viral, muito maior e mais longa do que o esperado para os primeiros meses do ano, que abarrotou as unidades de saúde. Em alguns casos, foi preciso isolar áreas da emergência só para pessoas com conjuntivite e até mesmo montar hospitais temporários, para evitar o contágio de outros pacientes. O auge da crise ocorreu em março e, agora, começa a diminuir.

Segundo levantamento da BBC Brasil, o número de casos de conjuntivite explodiu no início deste ano em pelo menos quatro Estados do país: Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Pernambuco. Além disso, Salvador (BA), Fortaleza (CE) e Petrópolis (RJ) registraram números muito acima do normal para esta época do ano.

A extensão do surto de conjuntivite de 2018 pode ser ainda maior. Não há dados consolidados de todo o Brasil, porque os Estados não são obrigados a notificar surtos de conjuntivite para o Ministério da Saúde. Em alguns casos, nem os Estados têm dados agregados dos municípios. Além disso, não há padronização dos dados entre as diferentes regiões do país e há uma dificuldade de comparação com anos anteriores.

Confrontados com os surtos em suas cidades, os brasileiros correram para o Google em busca de respostas, gerando uma explosão inédita na procura pelo termo "conjuntivite" (veja mais à frente na reportagem algumas das dúvidas principais e o que os médicos dizem a respeito). O interesse começou a crescer em fevereiro e atingiu o auge em março. A partir de abril, passou a diminuir. Antes disso, apenas um pico tinha sido registrado no Google, em 2011, mas em intensidade bem menor do que o atual.

Como a conjuntivite é uma doença simples, autoridades de saúde pública ouvidas pela BBC Brasil dizem que não há motivo de preocupação. O ciclo da doença costuma durar de 5 a 7 dias e, na maioria das vezes, não há necessidade de uso de medicamentos e nem ocorrem complicações. Apesar disso, é preciso se afastar do trabalho, escola e transporte público nesse período, para evitar o contágio de outras pessoas.

Veja as respostas para as dúvidas mais comuns sobre conjuntivite buscadas no Google:

O que é conjuntivite? A conjuntivite é uma inflamação na conjuntiva, uma membrana que reveste o globo ocular e o interior das pálpebras. A causa pode ser viral (como registrada em grande parte das cidades que tiveram surto em 2018), bacteriana ou alérgica. Não é grave, mas é irritante e altamente contagiosa.

Quais os sintomas da conjuntivite? Os olhos podem arder, coçar, lacrimejar, ficar vermelhos e com a sensação da estarem com areia. Ao acordar, é comum que fiquem grudados por causa de excesso de secreção. A conjuntivite, em si, não causa febre. Os sintomas costumam durar de 5 a 7 dias.

Como se pega? Para pegar a doença, é preciso um caminho de ida e volta: primeiro, a pessoa com conjuntivite passa a mão no olho e toca em algum lugar, espalhando o vírus; depois, outra pessoa toca naquele mesmo lugar e passa a mão que ficou contaminada no olho. No caso da conjuntivite viral, "o vírus pode sobreviver por até duas semanas na superfície seca. Por exemplo, na haste do ônibus, no botão do elevador, no corrimão, na maçaneta. Por isso, a conjuntivite se transmite com facilidade", explica o oftalmologista Abrahão Lucena, de Fortaleza. O contágio não se dá nem por ar, nem água.

Como se prevenir? A recomendação básica para evitar o contágio é não passar a mão nos olhos. Além disso, lavar as mãos com frequência, higienizá-las com álcool gel e não compartilhar objetos com pessoas contaminadas - como toalhas e lençois. Outra dica é que as pessoas com conjuntivite usem toalhas e lenços de papel descartáveis. Também vale higienizar as superfícies tocadas pelas pessoas com conjuntivite com água e sabão e depois álcool 70%.

Como tratar? Para quem já está com conjuntivite, os cuidados principais são limpar e umedecer os olhos com colírios lubrificantes - soro fisiológico, por exemplo. Dependendo do caso, o médico pode indicar anti-inflamatórios e antibióticos. Por isso, a recomendação é sempre procurar o médico, mesmo sendo uma doença simples - inclusive, se você trabalha ou estuda, vai precisar se afastar e o médico é quem vai dar o atestado médico.

Tratamento caseiro funciona? Oftalmologistas desaconselham tratamentos caseiros, como compressas de chás, sucos e leite materno. "Nada das soluções alternativas funciona. É até contra indicado, porque a pessoa pode acabar tendo uma contaminação, que pode inflamar o quadro. Muitas vezes, as pessoas acham que a solução caseira melhora, mas na verdade o que acontece é que a conjuntivite cessa normalmente, a pessoa vai ficar boa de qualquer jeito", fala o oftalmologista Bravo Filho, de Recife.

O primeiro aumento de buscas no Google ocorreu em Mato Grosso, em dezembro de 2017. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado, este foi o mês em que a conjuntivite saiu do controle. Foram 5,9 mil casos suspeitos, mais de 50 vezes mais que no mesmo mês do ano anterior. Em janeiro, o número começou a cair, mas ainda estava muito acima do normal.

Em seguida, em janeiro, foi a vez dos Estados vizinhos de Tocantins e Goiás dispararem nas buscas do Google. Nesse mês, em poucos dias, mais de 2 mil pessoas foram acometidas por conjuntivite na cidade turística de Caldas Novas (GO). O caso chegou a ser investigado por uma equipe do Ministério da Saúde, que ainda não divulgou os resultados. Além de Caldas Novas, o surto chegou a 59 municípios e a 8,3 mil pessoas em Goiás.

Depois, o auge das buscas no Google migrou para o Nordeste. "Passamos um bom tempo cuidando desse surto. Foi algo que nos surpreendeu. Tivemos que dividir a urgência em dois e isolar um dos lados só para pacientes com conjuntivite, para evitar o contágio", conta o oftalmologista Abrahão Lucena, coordenador da Escola Cearense de Oftalmologia, em Fortaleza (CE), que atende pelo SUS. "Agora, está diminuindo".

Em Pernambuco, a principal unidade de atendimento oftalmológico de emergência na rede pública, a Fundação Altino Ventura, atendeu 12 mil casos de conjuntivite de janeiro a meados de março. Já no mesmo período do ano passado, foram 2 mil. A conjuntivite, que antes representava 5% dos casos de urgência da fundação, passou a somar 30% este ano.

A conjuntivite também chegou com força em Minas Gerais, onde foram notificados 1.962 surtos este ano. No ano passado, foram 180 (um surto é um aumento de casos além da normalidade, em um determinado lugar e período). "Com os dados que temos disponíveis não é possível explicar o aumento do número de casos", afirmou por nota a Secretaria de Saúde de Minas Gerais.

Por último, o Google registrou um pico de buscas no Rio de Janeiro. Em Petrópolis, mais de 14 mil pessoas tiveram conjuntivite de janeiro a março. O número representa cerca de 5% da população. Para dar conta de tanta gente, a Prefeitura montou dois hospitais de campanha (provisórios) só para atender casos de conjuntivite - desmontados na semana passada, quando o surto começou a ceder. No ano passado, a cidade não registrou nenhum surto da doença.

Gisane Faria, de 29 anos, foi uma das pessoas atendidas pelos hospitais provisórios montados em Petrópolis para responder ao surto de conjuntivite. Ainda de licença médica e terminando de se recuperar, ela acredita que pegou a doença do marido, que é garçom e teve os dois olhos acometidos.

"O trabalho dele ficou desfalcado. São uns 12 garçons. Seis ficaram com conjuntivite. Todo mundo na cidade ficou assustado, porque não se via nada disso aqui", diz ela. Na clínica veterinária onde Gisane trabalha como auxiliar de administração, outras duas pessoas pegaram a doença.

O aumento de casos de conjuntivite no verão é normal. O anormal é um crescimento como o visto em 2018.

Médicos e autoridades de saúde pública ouvidos pela BBC Brasil não souberam explicar o que aconteceu. Há quem diga que é só um surto mais forte e que pode ocorrer periodicamente, quem acredite que possa ter relação com mudanças no clima ou até especule que esteja ligada ao fato do carnaval ter durado mais tempo em 2018 (assim, as pessoas teriam ficado aglomeradas por mais tempo, facilitando o contágio).

"O Ministério da Saúde esclarece que surtos de conjuntivite são comuns no verão e tem a transmissibilidade facilitada quando ocorrem grandes aglomerados de pessoas. A implementação de medidas e prevenção e controle da conjuntivite no âmbito individual e coletivo é importante para a interrupção da cadeia de transmissão da doença", afirmou o órgão, por nota.

Também não se sabe se o vírus da conjuntivite de 2018 é diferente dos anteriores. "Seria interessante identificar qual vírus está causando (o surto), fazer uma investigação epidemiológica", fala Ivan Paiva, coordenador dos serviços de urgência e emergência na rede pública de Salvador.

Na capital baiana, as 14 unidades de pronto-atendimento da rede pública viram os casos explodirem de uma semana para outra. Em 8 de fevereiro, eram 50 casos por dia. Em 14 fevereiro, 200. Em 12 de março, 1 mil pacientes. Agora, em abril, o patamar voltou para 200 casos por dia. "No ano passado, no pico, atendíamos no máximo 50 pacientes por dia", fala Paiva.

O registro de pesquisas no Google mostra também uma busca associada dos termos "conjuntivite" e "zika" - a primeira pode ser um dos sintomas da segunda. Mas, segundo as fontes consultadas pela BBC Brasil, o surto de conjuntivite de 2018 não tem relação com a zika.

"O aumento de casos de conjuntivite registrado no país no início deste ano não têm relação com o zika vírus, pois como mostram os dados, até 24 de fevereiro deste ano, foram registrados 1,2 mil casos prováveis de doença (zika) em todo país, uma redução de 80% em relação ao mesmo período de 2017". Além de conjuntivite, a zika tem outros sintomas, como febre moderada, dores musculares e nas articulações.

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