Saúde

Horas após perder filho para covid, Sandra volta a vacinar por respeito à vida

Cleberson em uma das imagens que rodou as redes sociais com pedidos de oração. (Foto: Arquivo Pessoal) Cleberson em uma das imagens que rodou as redes sociais com pedidos de oração. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Fazer pelos outros o que não pude fazer por ele", diz Sandra que na hora do velório decidiu voltar ao serviço

Cleberson não era filho de sangue de Sandra, mas por escolha, afinidade e amor, os laços que se formaram entre eles foram de mãe e filho. Aos 31 anos, o vendedor partiu na madrugada da última sexta-feira (18), e horas depois de saber da notícia, a mãe de criação seguiu a rotina de sempre: foi para o drive do Parque Ayrton Senna onde trabalha na vacinação fazer pelos outros o que não pode fazer pelo filho.

Técnica de Enfermagem, Sandra Regina Duarte da Silva tem 49 anos, e se vê como mãe de Cláudio, Fábio e Cleberson desde que os três eram pequenos. Os primeiros são seus filhos biológicos mesmo, que hoje têm 32 e 28 anos e o último era o de criação.

"Meu filho de criação teve covid, que prejudicou muito a saúde e ele não teve a chance de retornar", narra. Cleberson Medeiros, de 31 anos, era vendedor e começou a ter os sintomas entre o final de maio e início de junho. No dia 4 de junho Cleberson acabou sendo intubado e morreu à meia-noite de sexta, dia 17.

"Eu entrei no plantão 11h30 da manhã de sexta. Ele foi sepultado às 15h, teve o velório, mas eu não fui. Vim trabalhar, porque Deus não ia trazer o Cleberson de volta e aqui no drive tem vida que precisa do meu serviço", explica.

Sandra ganhou homenagem da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) nas redes sociais justamente porque foi vacinar os filhos dos outros quando não pode mais imunizar o seu. "Eu estou aqui para fazer o meu melhor. Não tive a chance de vacinar o Cleberson, mas aqui a minha prestação de serviço é independente de classe social", se consola.

Na linha de vacinação desde o dia 29 de março, Sandra já tomou as duas doses da vacina e vê em cada pessoa que chega ali o filho de criação. "A vida continua, e eu estou trabalhando aqui, porque amo o que eu faço. Faço com amor, faço o que eu posso fazer e quando não posso, chamo minha chefia", completa. Isso ela diz sobre casos em que o público chega para vacinar mesmo não pertencendo ao grupo prioritário do dia ou apresenta sintomas de resfriado.

Cleberson se mudou para a rua onde Sandra morava com os filhos ainda pequeno, no Bairro Guanandi, na Capital. A técnica conta que ele acabou sendo criado junto com os meninos dela e o amor que ela tem é igual ao que dá para Cláudio e Fábio.

"Chamo de filho com o maior prazer. Ele deixou para nós um aprendizado, pela educação que ele tinha, pela pessoa que ele era. O que aconteceu foi que ele não teve a chance de voltar, mas Deus sabe de todas as coisas", fala.

No dia a dia da vacinação, Sandra que já chegou a faixa etária dos 46 anos, diz que o maior sonho não é só terminar a imunização da cidade toda, é ver a consciência e a empatia dos demais.

"A população em geral, principalmente os jovens que ficam fazendo festas clandestinas, indo em bares, esse povo não está dando valor à vida. Valor à vida é a chave, e vidas estão sendo ceifadas por este vírus que ninguém vê, mas ele existe, está aí e não escolhe classe social, pega rico, pobre, feio, bonito", ressalta.

Junto da vacinação, Sandra conta que pede para os pacientes que recebem a dose continuarem com os cuidados. "Aqui eu sou a técnica de Enfermagem, não sou só a Sandra, trato os pacientes como se fosse minha família. Não posso tirar a máscara, mas eu sorrio com os olhos e sempre falo vai com Deus, Deus te abençoe e continue se cuidando", descreve.

Cleberson deixou esposa, dois filhos pequenos, familiares e muitos amigos. Ele é uma das 500 mil vítimas levadas pela covid-19.

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