Nos EUA, onde massacres em escolas são frequentes, um estudo apontou que 29% das testemunhas desses ataques sofrem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) - um transtorno de ansiedade que pode gerar sintomas vários meses ou anos após o incidente.
Profissionais de saúde mental alertam que sintomas semelhantes podem acometer até mesmo quem não tem qualquer relação com as vítimas, mas se expôs a fotos e vídeos do ataque nas mídias sociais ou na imprensa. Eles dizem que as pessoas abaladas, assim como vizinhos da escola e outros moradores de Suzano, também devem ser acolhidas e ajudadas a superar o luto coletivo causado pela tragédia.
A Prefeitura de Suzano disse à BBC News Brasil que a Secretaria de Estado da Saúde enviou dois psiquiatras e um psicólogo a Suzano para atender sobreviventes e familiares das vítimas. Segundo a prefeitura, os profissionais estão trabalhando ao lado de uma equipe local do Caps (Centro de Atenção Psicossocial), unidade do SUS especializada em saúde mental.
O psiquiatra Higor Caldato, especialista em Psicoterapias pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que, nos dias seguintes ao evento, sobreviventes e pessoas próximas das vítimas costumam vivenciar sentimentos de estresse agudo, choque, tristeza e lamentação.
Nesse período, diz Caldato, é essencial que eles sejam acompanhados por profissionais de saúde mental para que possam dar vazão às emoções em sessões de terapia e não se refugiem em comportamentos nocivos, como compulsões alimentares ou o consumo abusivo de álcool.
Ele afirma que pessoas que estejam sob ansiedade extrema e com dificuldade para se expressar podem precisar de medicação para atenuar os sintomas e tirar mais proveito da terapia.
Segundo o psiquiatra, se os sentimentos negativos persistirem por mais de um mês e estiverem associados a outros fatores, como pesadelos, medo e sintomas depressivos, é possível que o transtorno de estresse pós-traumático tenha se instalado.
A condição, que também costuma exigir tratamento medicamentoso, pode causar grandes impactos na vida do afetado por um longo período. Com frequência, o transtorno é acompanhado por problemas para dormir, dificuldade para se concentrar e sentimentos de isolamento, irritação e culpa.
Para Caldato, o caminho para evitar o quadro é usar o episódio violento para reforçar relações e comportamentos positivos, estimulando o que ele chama de "crescimento pós-traumático".
"O mais importante é dar apoio psicológico para que as pessoas possam enxergar a tragédia por outro ângulo - para que se sintam amparadas, protegidas, possam se cuidar, valorizar mais a vida e a família, ter urgência em buscar a felicidade."
Segundo a psicóloga Maria Helena Franco, até quem não estava presente no massacre e não tem qualquer relação com as vítimas pode sofrer seus impactos quando exposto a imagens, notícias ou relatos sobre o evento. Essa reação é conhecida como trauma vicário ou estresse traumático secundário.
"Tem um fio que nos une que é a empatia, a questão humana. Todo mundo fica tocado, assustado. Não é um impacto menos importante e ele deve ser visto e considerado", afirma Franco, que coordena o Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC-SP, onde é professora titular de Psicologia.
Segundo Franco, o primeiro passo para superar o trauma vicário é aceitar o sofrimento provocado pelo massacre.
"Quando você está sofrendo mas entra num raciocínio de que não deveria sofrer pois não estava lá, não conhecia ninguém, você impossibilita que o sentimento seja elaborado. Só que não, ele continua ali, na mente."
Ela diz que alguns grupos estão mais sujeitos a esse quadro, como bombeiros ou profissionais de saúde que lidam com pessoas traumatizadas. "É preciso que eles estejam preparados para trabalhar com crises, com sofrimento intenso, com luto. Porque eles também podem chegar a um limite e até adoecer."
Franco afirma que também merecem atenção vizinhos da escola e outros moradores de Suzano.
"De repente Suzano, uma cidade pacata, ficou associada ao massacre - alguns passaram a se referir 'ao drama de Suzano'. É uma marca, uma ferida, e isso é sério. O tecido social sofreu um rombo."
Ela diz que, além dos atendimentos individuais, o trauma precisa ser trabalhado de maneira coletiva. "É importante pensar em formas de unir os alunos, as escolas, as várias comunidades envolvidas. É daí, do coletivo, que virá a força de reconstrução."
Em artigo publicado em 2018 pela Vanderbilt University (EUA), o pesquisador Chad Buck, PhD em Psicologia Clínica, diz que os sintomas do trauma vicário ou estresse traumático secundário são semelhantes aos do TEPT, mas menos intensos.
Segundo ele, a condição pode envolver fadiga crônica, tristeza, raiva, exaustão emocional, vergonha, medo e desconexão, entre outros sentimentos.
Segundo Buck, embora os estudos sobre esse distúrbio enfoquem profissionais de saúde mental, outras pessoas podem desenvolver os mesmos sintomas.
"Quem já vivenciou eventos semelhantes, tem TEPT pré-existente ou outras questões de saúde mental tem maior risco de sofrer uma acentuação dos sintomas e o desenvolvimento de estresse traumático secundário", diz o psicólogo.
Para Maria Helena Franco, o massacre será "um divisor de águas" para os alunos sobreviventes.
"Há uma situação muito particular que agrava a situação: eles são ao mesmo tempo sobreviventes e testemunhas. São duas experiências muito fortes."
Franco afirma que o acompanhamento dos jovens deve levar em conta os registros sensoriais vinculados a traumas, como barulhos, cheiros, cenas e movimentos.
"O cuidado precisa ser voltado para os registros que, se não forem tratados, vão ficar." Segundo ela, o acompanhamento tem de durar vários anos. "É um trabalho de longuíssimo prazo."
Nos Estados Unidos, muitos pesquisadores estudam o impacto de massacres na saúde mental de sobreviventes e comunidades afetadas.
Em um artigo publicado em setembro de 2018, a revista da American Psychological Association lista uma série de conclusões dessas pesquisas.
Uma delas revelou que pessoas que se feriram em massacres, viram pessoas serem atingidas, perderam amigos ou sentiram que suas vidas corriam perigo têm muito mais chances de desenvolver sintomas de transtorno de estresse-pós traumático (TEPT) e outros distúrbios mentais do que as que conseguiram se esconder ou estavam mais distantes do incidente.
O artigo diz que pessoas que já têm sintomas de distúrbios mentais - como ansiedade ou depressão - estão mais sujeitas a desenvolver TEPT, assim como as que se sentem culpadas por não terem salvado pessoas que morreram.
Já as que têm redes de apoio mais sólidas, especialmente da família, tendem a ser menos afetadas.
O National Center for PTSD, organização que pesquisa o transtorno de estresse-pós traumático nos EUA, afirma que 28% das pessoas que testemunham massacres desenvolvem TEPT.
O índice, segundo o órgão, mostra que os sobreviventes desses incidentes estão mais sujeitos a distúrbios mentais do que pessoas que enfrentam outros tipos de trauma, como desastres naturais.
A American Psychological Association diz que os sobreviventes de massacres costumam passar por três etapas no processo de superação do trauma.
A primeira, imediatamente após o evento, geralmente envolve os sentimentos de negação, choque e descrença. Nesse momento, profissionais de saúde mental podem ajudá-los oferecendo informações e explicando que suas reações são normais.
Na segunda fase, que se inicia entre alguns dias e semanas após o massacre, são comuns os sentimentos de medo, raiva, ansiedade, dificuldade em prestar atenção, problemas para dormir e depressão.
Na última etapa, vários meses após o ataque, os sentimentos negativos tendem a se dissipar para a maioria dos sobreviventes. Já alguns podem precisar de cuidados especiais - especialmente quando apresentarem quadros persistentes ou abuso de substâncias químicas.
"Eventos em homenagem às vítimas - particularmente os que são concebidos e conduzidos por estudantes e a comunidade - são os mais eficientes para ajudar na recuperação depois de um massacre", diz a associação, citando um estudo realizado após um ataque que provocou seis mortes na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, em 2014.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Comentários