Vacina

No ano de 4,6 milhões de agulhadas, vacina nos levou do luto à esperança

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Cidades

A crônica da “vacina no braço” começa em 18 de janeiro, um dia de fazer história

Eleita a palavra do ano, a vacina nos levou a toda sorte de emoções em 2021: teve pranto, riso, protesto, preconceito. Se hoje Mato Grosso do Sul já soma 4,6 milhões de imunizantes aplicados (72% da população imunizada), um olhar pelo retrovisor mostra que o ano se iniciou num janeiro triste, em que era mais fácil encontrarmos luto do que gotas de esperança.

A nossa história da “vacina no braço” começa em 18 de janeiro. Naquela segunda-feira, chegaram as primeiras doses da vacina Coronavac a Mato Grosso do Sul. A campanha de imunização, a exemplo da gripe, começou por grupos prioritários: idosos, profissionais de Saúde e indígenas.

Mais uma vez, os índios não escaparam do vírus do preconceito em Mato Grosso do Sul. Comentário em reportagem do Dourados News sobre a campanha de vacinação foi furioso: “Isso mesmo, imuniza essa peste que não produz nada...bando de cachaceiro”. Na conta da vergonha, a vacina também não escapou aos espertinhos, rotulados de fura-fila.

Já no campo da emoção, nada mais sincero do que o choro da filha estudante de enfermagem ao vacinar o pai. O registro foi no drive-thru da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco). As lágrimas de Gabriely Ramsdorf Leal e a emoção de Marcelo Barros Leal ganharam o mundo.

Você vê a sua filha te vacinando em uma coisa tão importante, num momento deste, que vem um turbilhão de sensações. É uma coisa única, uma experiência única que, graças a Deus, eu pude passar", afirmou o pai.

A cena contagiante, datada de agosto, teve aplausos da jornalista Maju Coutinho e o humorista Whindersson Nunes.

Tutorial da xepa e sommelier de vacina - Com quantidade insuficiente para todos no começo, muita gente tentou a sorte nos pontos de imunização em Campo Grande. O objetivo era conseguir as sobras do imunizante no frasco, que não poderia ser guardado.

A corrida pela vacina levou até criação de tutorial, uma espécie de manual que incluía madrugar num dos locais da campanha e entrar na fila de distribuição de senha. Com ela em mãos, era torcer pela sobra, que seria comunicada pelas equipes de Saúde.

Por outro lado, com a chegada de mais e diferentes marcas de imunizantes, também surgiu o sommelier de vacina. O grupo torceu o nariz para a Coronavac e Astrazeneca, preferindo as vacinas da Pfizer  e da Janssen. Apesar de todas terem aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Num dos locais de vacinação, a reportagem testemunhou quando uma biomédica de 34 anos, que pediu para não ser identificada, disse não.

Se pudesse escolher iria querer a Janssen, por ser dose única, ter menos reação e uma eficácia muito grande. Nos Estados Unidos onde ela foi usada já não é mais obrigatório o uso de máscara. Mas eu tomaria qualquer uma, exceto a Coronavac que não tem muita eficácia. Meu tio tinha tomado as duas doses e quase morreu de covid, saiu do hospital esses dias. Como só tem Coronavac eu prefiro esperar outro calendário que tenha outra vacina”.

A briga boa – Em 6 de janeiro de 2021, mesmo antes de as vacinas chegarem, Mato Grosso do Sul já tinha traçado um plano para distribuir as doses em até 48 horas após o desembarque.

A logística preparada fez o Estado se descolar das demais unidades da federação, liderando o ranking da vacinação durante a maior parte do ano. A “briga boa” foi travada com São Paulo, que agora está na dianteira, seguido por MS.

“Eu vejo uma discussão até salutar do governador de São Paulo (João Dória), com Rio de Janeiro e com Rio Grande do Sul e eu falo para você: quem vai terminar primeiro essa vacinação vai ser Mato Grosso do Sul. Por quê? Porque nós dialogamos bem com os municípios, a equipe está sincronizada, a vacina chega e vai direto para os municípios, já vai direto para o braço”, disse o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) em junho.


Grandes esperanças – Das 3.846 publicações do Campo Grande News entre primeiro de janeiro e 17 de dezembro sobre vacina, boa parte delas veio iluminada pela esperança de dias melhores.

Em 25 de março, a reportagem registrou a vacina de Simão Nogueira, 69 anos, o primeiro da equipe do jornal a se imunizar. A emoção foi contagiante, Simão se mostrou grato pela chance de ter vacina no braço. "A gente se sente mais aliviado, porque já é meio caminho andado".

Recém-formada, a técnica de enfermagem Andrea Regina Corbetta não segurou as lágrimas. "O sentimento é de extremo amor e satisfação em saber que estou podendo fazer parte desse momento histórico que estamos passando".

A comerciante Luanna Peralta, que se vacinou no mesmo dia em que a filha adolescente recebeu o imunizante, contou da emoção de vencer a covid. Foram dez dias internadas no hospital.  Na hora da vacina, levou cartaz para exaltar o SUS (Sistema Único de Saúde)

É uma loucura. A preocupação não é nem você morrer, mas como vão ficar seus filhos sem você".

O Campo Grande News convidou os leitores a compartilharem a emoção de serem imunizados também num “Mapa da Vacina”. Um dos relatos veio da família de Cid Antunes da Costa, de 90 anos.

“A primeira dose ele tomou ao lado da nossa avó, Luiza Barros da Costa, seu grande amor durante décadas. Pouco antes da segunda dose ela se despediu da vida, vítima de problemas cardíacos. Infelizmente ela não estava aqui para viver este segundo momento ao lado dele, mas meu avô com toda força e garra fez questão de ir tomar a segunda dose, por ele e por ela, a mulher que o acompanhou por toda vida, com muito amor e companheirismo. Ver essa foto me emociona e, apesar da saudade, traz a esperança de dias melhores e que em breve eu e toda minha família tenhamos a oportunidade de abraçar novamente nosso avô!”

Passaporte da discórdia - A vacina chega ao fim do ano protagonizando uma polêmica: exigir ou não comprovante de imunização contra a covid. Campo Grande teve uma tentativa de debate na Câmara no mês de setembro, mas o clima logo desandou e a reunião foi encerrada.

O grupo contrário à exigência, que a todo tempo gritava por liberdade, ouviu palavras duras do secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende. Quase ao final do seu discurso, ele afirmou que os que defendem essas pautas são os "nazistas e fascistas da atualidade". E prosseguiu: "Nosso povo haverá de derrotá-los e deixá-los na lata de lixo da história".

O vereador Thiago Vargas (PSD), indignado, chegou a querer avançar sobre o secretário e defendeu Jair Bolsonaro (PL), afirmando que foi o presidente que trouxe as vacinas e que não aceitaria o que considerou ser um desrespeito por parte do secretário estadual.

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