A britânica Liv Pontin conta que vinha pensando sobre o assunto havia algum tempo, após perder o emprego e enfrentar problemas de saúde mental, que a levaram a ser internada em um hospital.
"Pensava que não tinha futuro. Se não podia trabalhar, não tinha mais qualquer utilidade para ninguém."
No dia marcado, ela chegou a pedir ajuda. Foi a um médico e contou sobre o que passava em sua cabeça. Mas não foi o bastante.
"Quando você chega em casa e percebe que nada mudou, isso acaba com seu último fio de esperança de que as coisas vão melhorar."
Naquela noite, ela não jantou, o que contribuiu para intensificar sua crise. "Quando não como, minha cabeça fica muito confusa. E isso potencializa os pensamentos suicidas", diz.
"Estava exausta. Minhas energias haviam sido sugadas por pensar tanto sobre a vida. Simplesmente não queria mais lutar."
Liv afirma ser comum achar que pessoas que contemplam suicídio não levam em consideração o impacto que isso terá sobre outras pessoas.
Mas, em seu caso, ela queria explicar sua decisão à família. Por isso, escreveu duas cartas, "uma para o meu pai, para dizer o quanto o amo e que ele é maravilhoso". A outra era para "pedir desculpas" ao condutor do trem que causaria, involuntariamente, sua morte - pois ela tinha optado por se jogar na frente de um trem.
"Não achava que eles ficariam traumatizados, mas com raiva. Não queria que me odiassem por fazer isso. Escrevi uma carta para explicar isso e coloquei no meu bolso."
Ela saiu então de sua casa e foi caminhando até a estação de trem de sua cidade.
"Quando você pensa em alguém em um estado suicida, imagina algo bem dramático. Mas são as coisas pequenas que te afetam mais, como andar pela rua e pensar: 'Não passarei mais por aqui'. Ou 'não vou ver meu pai de novo, não vou ver meu irmão de novo'."
'Foi uma questão de segundos'
Enquanto Liv aguardava na plataforma do trem, do outro lado surgiam as luzes do trem que fazia a rota entre Brighton, na costa sul da Inglaterra, e Bedford ao norte de Londres. O condutor era Ashley John, que estava no seu segundo dia operando essa linha, após passar um ano fazendo treinamento e estágios.
"Estava dirigindo, olhando pela janela, quando notei que havia algo errado", conta Ashley.
"De repente, apareceu, do nada, um rosto. Apertei a buzina, rapidamente."
Na plataforma, Liv se preparava para o ato derradeiro.
"Fiquei parada ali, esperando e olhando, como se estivesse paralisada. Lembro apenas que estava com muito frio." Mas ao ouvir a buzina, ela mudou de ideia.
"Foi uma questão de segundos. Aquilo me fez não dar o último passo [da plataforma para o trilho]."
Assustada, Liv saiu correndo. "Àquela altura, quando percebi que não tinha conseguido fazer o que pretendia, pensei: 'Não sei o que fazer agora, porque ele me viu'."
Uma conversa franca
Ashley parou na estação, e fez um anúncio aos passageiros de que o trem aguardaria alguns minutos ali.
"Estava um preocupado. Eu acreditava que não havia atingido a pessoa, mas fiquei esperando para ter certeza. Felizmente, Liv estava caminhando na plataforma."
Ele foi atrás dela e a chamou. "Ela estava em choque. Perguntei se estava bem e ela se virou. Começamos a conversar."
"Só me lembro dele tentando me confortar", conta Liv.
Ashley fez algumas perguntas, tentando descobrir o que estava acontecendo e por quê.
"Ele me questionou bastante sobre minha família e meu pai, me disse que tinha um filho, contou que havia trabalhado como bombeiro e como tinha visto uma situação assim de outra perspectiva e o impacto que isso pode ter", diz Liv.
O condutor se lembra de que a conversa durou de cinco a dez minutos, e que Liv foi bem franca e contou a ele os motivos pelos quais estava ali.
"Talvez ela não tivesse conseguido expressar aquelas coisas para seus amigos e familiares. Pensei na hora: 'Espero que isso ajude'."
Liv se recorda que Ashley estava muito calmo e demostrava genuinamente estar preocupado com ela.
"Isso faz uma enorme diferença quando uma pessoa passa por uma crise. Encontrar uma pessoa tão gentil e genuína te dá um pouco de esperança de novo. Naquela noite, ele salvou minha vida."
O reencontro
Liv voltou para casa, e Ashley seguiu seu caminho. Depois daquela noite, eles nunca haviam se visto - até que o programa Victoria Derbyshire, da BBC, promoveu o reencontro de ambos, 18 meses depois.
No trem, indo ao encontro de Ashley, Liz disse que gostaria de aproveitar a oportunidade para agradecer o condutor e lhe dizer o quanto seu gesto a ajudou. "Não sei o que ele sente quanto a isso."
Já Ashley disse ter curiosidade para saber o que aconteceu com Liv desde então.
"Penso sempre nisso, especialmente quando estou na região onde nos conhecemos. Estou aqui para saber como sua vida mudou e o que de positivo ela fez a partir disso."
Liv aguardava por Ashley sentada em um banco de uma plataforma quando o condutor chegou. Eles deram primeiro um longo abraço para só então trocar as primeiras palavras.
Ashley começou perguntando como Liv estava. "As coisas tem ido bem nos últimos meses", ela respondeu. "Tenho ajudado a polícia com treinamentos de como lidar alguém em uma crise mental."
O condutor explica que não estava acostumado a lidar com situações como aquela e reagiu da forma como pensava ser melhor e quis ouvir o que Liv tinha a dizer.
"Isso foi muito bom. Quando alguém para e interage com você em meio a uma crise, você volta para o momento presente. Pensava que você ia me odiar, que todo mundo ia me odiar, me julgar", disse ela.
Ashley disse então: "Quando você está em uma situação assim, pode ser que pense isso, mas há muitas pessoas por aí com quem você pode falar".
Liv explicou que sua família é algo muito importante para ela, especialmente depois de perder sua mãe. "Não quero nunca que meu pai ou meu irmão passem por algo assim, mas às vezes eu preciso de ajuda para me lembrar disso."
'Ele é uma pessoa incrível'
O condutor contou que, sempre que passa pela estação em que conheceu Liv, olha para ver se a vê na plataforma. "Mas de uma forma boa", esclareceu.
Liv disse que uma das coisas mais estranhas sobre tudo que aconteceu foi o fato de uma pessoa desconhecida a ter visto no "pior momento de sua vida".
"São duas pessoas que não sabem nada uma sobre a outra, você vê o lado mais pessoal e privado de alguém e depois nunca mais a encontra. Sou muito grata por ter recebido sua ajuda naquela noite", disse ela.
"Eu também", respondeu Ashley.
De volta em casa, Liv refletiu sobre o reencontro. "Foi bom poder revê-lo e abraçá-lo. Ashley é um ser humano incrível e merece todo o crédito por isso."
Por sua vez, o condutor disse ter ficado feliz pelo fato do episódio ter levado a uma "mudança drástica" na vida de Liv: "É muito bom saber que ela está ajudando a si mesma e aos outros".
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